Dizem que uma imagem, vale mais do que mil palavras. No caso de um pequeno vídeo, de um “momento carinhoso” entre dois líderes expressivos de segmentos opostos no meio evangélico, insere milhões de palavras no universo das grandes discussões entre seus vários segmentos.
Jeremias Pereira é um dos mais conhecidos pastores da Igreja Presbiteriana do Brasil, liderando a 8ª IPB de Belo Horizonte. R.R. Soares, deve ser eternizado como grande líder da Igreja Internacional da Graça, tendo milhões de seguidores no programa “Show da Fé”. Em recente encontro, Jeremias o chamou de “Mestre” e ele respondeu, referindo-se ao avivalista presbiteriano como “Profeta das Lágrimas”.
A cena é absolutamente normal, quando se leva em conta o espírito do cristianismo, que tem como mandamento maior “amar ao próximo”, independentemente de quem seja este próximo. Aliás, isto já serve para descredenciar muitos líderes evangélicos pelo ódio que se vê no contexto da discussão direita x esquerda, em relação a alguns candidatos, especialmente os alinhados com essa segunda vertente, reproduzido em claros manifestos dentro dos templos, em alguns casos a partir dos púlpitos, historicamente vistos como espaços do sagrado. Se um cristão é conclamado a amar “até o inimigo”, segundo os evangelhos, que problema no abraço do Jeremias no RR Soares e vice versa? Até por essa percepção, em seu registro, no facebook, muitos não economizam elogios.
Mas, porém, todavia, é de se estranhar que o Reverendo Jeremias Pereira, unanimidade nas hostes calvinistas presbiterianas, esteja recebendo críticas até entre fiéis da denominação inserida no Brasil pelo missionário americano Ashbel Green Simonton, em 1859. E por que? Porque veem a aproximação no contexto do momento político, pois muitos presbiterianos, embora aleguem neutralidade no processo, deixam claras evidencias de que se alinham com a maneira de pensar o mundo e a vida de Jair Bolsonaro. Jeremias e RR Soares estariam entre esses.
Oportuno, a propósito, perguntar, quando se espiritualiza tudo neste ano eleitoral: Seriam do demônio esses críticos do querido Jeremias? Afinal, para a maioria dos evangélicos o momento é de uma luta do bem contra o mal e os que não se alinham com o capitão Bolsonaro são súditos do “príncipe das trevas”.
Na verdade, existem séculos de controvérsias teológicas dentro do protestantismo, movimento que surgiu de uma ruptura no seio do cristianismo no século XVI, capitaneada por Martinho Lutero, monge agostiniano, inconformado com o que via no seio da Igreja.
Com o passar do tempo, com a proliferação de denominações dentro do segmento, os chamados históricos, incluindo os presbiterianos, influenciados por teólogos renomados, começaram a rechaçar como sendo evangélicas algumas dessas denominações, entre elas algumas pentecostais e a maioria das neopentecostais.
Algumas pesquisas em obras dos chamados reformados – que mantém a pureza original do pensamento de teólogos como João Calvino, o maioral entre os presbiterianos – nomeiam entre as Igrejas neopentecostais denominações como a de Edir Macedo e RR Soares, rechaçando alguns de seus postulados teológicos, especialmente a chamada teologia da prosperidade, definindo-os como heresias. Daí, ao invés de Igrejas evangélicas, são vistas como seitas.
Neste complexo cenário, onde evangélicos rechaçam alguns grupos, definindo-os como seitas, o que enfraquece a tese de que representam, hoje, 30% da população e que em breve serão mais numerosos do que os católicos, o abraço e troca de gentilezas entre Jeremias Pereira e RR Soares pode ser visto como normal dentro da lógica do “amor”. Isto deve ser feito, também, até com Lula, se o sentido lato deste mandamento for considerado.
O problema, porém, está no conteúdo das gentilezas. Um líder presbiteriano chamar RR Soares de Mestre, em tempos atrás ou até pouco tempo, era algo impensável. Mais recentemente, nos Seminários, os futuros pastores sempre foram ensinados sobre os perigos que representam o pensamento de líderes como RR Soares. Os reformados mudaram sua forma de pensar?
Tudo isto posto, é possível dizer que um novo grupo evangélico está surgindo, supradenominacional, com um poder acima de todo pensamento teológico: o bolsonarismo. Assim como o centrão esta para os que governam politicamente o país, o bolsonarismo está para o domínio quase absoluto sobre os evangélicos. A maior prova está no conceito de “Mestre” que Jeremias Pereira, presbiteriano, reformado, emitiu sobre RR Soares, numa aproximação que, para alguns, fundamenta-se na necessidade de fortalecer o nome de um Messias.
Ézio Moreira – jornalista