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A vingança cuiabana, 35 anos depois

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16/10/2012 – 14:10

Anita Testslaff

Palácio Alencastro ao fundo, a antiga residência oficial dos governadores, o blogueiro e o vendedor de ouro

Ainda sob o impacto da (in) Justiça Federal exigindo duplos retornos do pobre jornalista à também federal Caixa Econômica, o que acabou com a moleza dos textos sob inspiração da saracura, fiz questão, neste 11 de outubro, de ver de perto como anda a cuiabania 35 anos depois da divisão do Mato Grosso. Como consolo, nestes dias que lá passei repondo energias depois de cumprida a missão de – mesmo que por vias tortas – ajudar a estancar a onda de retornos na fronteira com o Paraguai, restou-me a afinação bem mais melodiosa de um sabiá de sotaque cuiabano, começando pontualmente às cinco da matina, como que a exigir do jornalista os pingos nos is daquela balela que serviu de argumento aos divisionistas, de que o Sul trabalhava para sustentar o Norte.  

No que parecia ser mais uma charada ao enxerido que insiste em tratar desses assuntos lá pra cima e ainda volta reclamando do calor escaldante, Cuiabá recebeu-nos com uma garoa parecida à da paulicéia e um friozinho só privilégio de quem estica 60 quilômetros acima, até a paradisíaca Chapada dos Guimarães, nossa parada no dia seguinte. Esgueirando-me pelas ruas do centro histórico, onde, dizia-se, cachorro só podia abanar o rabo na vertical, chegamos à Getúlio Vargas e, por sua também estreita calçada, à pracinha onde, portentoso, o médico Joaquim Murtinho contempla a chegada de grandes conglomerados financeiros para ocuparem o espaço deixado pelo primeiro banco dos mato-grossenses, por ele fundado. Detalhista, antes da foto obrigatória, Anita raspa do queixo do velho banqueiro uma etiqueta com preços de produtos de supermercado, como se o ministro da Fazenda do governo Campos Sales tivesse alguma coisa a ver com a inflação de hoje. Antes dos registros instantâneos para o Facebook, a propósito da data, com um tiquinho de nossa história contemporânea, aproveito para posar entre Chico Xavier e Alan Kardec, estampados na fachada da banca de revistas ao lado, retratando as fortes convicções da fé espírita do povo cuiabano.

Influenciado por Chico e Kardec, sinto a companhia de espíritos queridos neste tão sonhado passeio, num dia tão especial, na pracinha do velho Alencastro. Pelas fortes vibrações, certamente que a recepção é de minha tia e irmã mais velha, Eunice Barros, a mais cuiabana das douradenses, que depois de tantos anos na velha capital, tendo retornado à terra Natal, fez questão de lá desencarnar. Com ela, provavelmente, o grande amigo deputado Horácio Cersósimo, que para lá me levou para servir como assessor de imprensa do Governo Garcia Neto e, não poderia faltar, o douradense filho de cuiabano, Harrison de Figueiredo, agora, nas alturas, regozijando com o mais festeiro dos cuiabanos, grande causídico Chico Lobo. Ambos, provocados por Cícero Faria, aqui debaixo, sugerindo uma pratada de escaldado na Kátia, como se o velho rendez-vous fosse resistir ao ímpeto progressista de Dante de Oliveira, que, mesmo sob os protestos do jornalista e poeta Silva Freire, assíduo frequentador do pedaço, preferiu dar fim mais nobre ao local, hoje Parque Mãe Bonifácia.

Como o feriado da Divisão é só no naco extraído do velho Mato Grosso, aproveito para uma entrevista com um vendedor de ouro curioso em meu interesse numa foto da velha residencial oficial dos governadores. Estevam Salem Haddad, 55, é cuiabano, mas aproveitando a onda paulistana faz questão de se dizer parente do petista que está para desbancar José Serra. Lembranças deste 11 de outubro? Só pelas lágrimas do irmão perdido, embora os campo-grandenses não se considerem nossos irmãos, diz ele. Pergunto se o tiro pela culatra, como sustento que foi a Divisão, para o Mato Grosso do Sul, foi golpe de sorte ou vingança cuiabana. Não! Para ele foi trabalho. Só dos mato-grossenses, diz, aproveitando para cobrar a ajuda que o governo federal prometeu ao Estado e não deu, segundo ele, como indenização. E compara o Mato Grosso a um bolo gostoso, que todo mundo quer um pedaço, prevendo que novas fatias devem ser tiradas daquele que já foi considerado o grande colosso da nação.

Mensalão? Haddad lamenta é a prisão de João Arcanjo Ribeiro, o cuiabano que mais fazia girar dinheiro na cidade, com suas facttorings e que muitos políticos, famosos pelo tanto que roubaram, ainda estejam em liberdade. Tento falar em retorno, mas entendendo que já estou me despedindo para voltar ao Mato Grosso do Sul saca um bloco de anotações todo amarfanhado, entregando-me seu endereço para receber meu próximo livro pelo sedex. Espero não precisar escrever mais sobre a vingança cuiabana.

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