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Bolsonaro defende Pazuello sobre reunião com intermediária

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18/07/2021 – 12h08

Folha de S. Paulo revelou que, fora da agenda, general prometeu comprar 30 milhões de doses da vacina chinesa Coronavac

Em entrevista neste domingo (18) logo após ter recebido alta hospitalar, o presidente Jair Bolsonaro culpou os lobistas e disse que “lá em Brasília não falta gente tentando vender lote na lua” para defender o general Eduardo Pazuello, seu ex-ministro da Saúde. “Quando fala em propina, é pelado dentro da piscina”, e não gravando um vídeo com o desfecho de um encontro com representantes que diziam ter 30 milhões de doses da vacina chinesa Coronavac para vender, afirmou o presidente em São Paulo.

Reportagem da Folha de S. Paulo nesta sexta (16) revelou que, em reunião fora da agenda, Pazuello prometeu a um grupo de intermediadores adquirir o lote dos imunizantes que foram formalmente oferecidos ao governo federal, mas por quase o triplo do preço estabelecido pelo Instituto Butantan. Apesar de Pazuello ter dito na gravação que havia assinado um memorando de entendimento para a compra, a negociação não prosperou.

“O Élcio [Franco, coronel e então secretário-executivo do ministério] trabalhou muito bem nessa questão, não tem um centavo nosso despendido com essas pessoas que foram lá vender vacina”, disse Bolsonaro. Se chega alguém com um papo de “ó, tem vacina aí”, ele diz “nem dar bola para o cara”.”Brasília é o paraíso dos lobistas, dos espertalhões. Ou não é?”

Bolsonaro afirmou que, se estivesse no ministério, “teria apertado a mão daqueles caras todos”, após ser questionado se não era estranho um ministro topar conversar com representantes que se dizem autorizados a vender imunizantes. “Ele não estava sentado à mesa. Geralmente, tira fotografia sentado na mesa negociando. E se fosse propina não dava entrevista, meu Deus do céu, não faria aquele vídeo. Dá para você entender isso aí?”

Bolsonaro disse a jornalistas de São Paulo que todo repórter de Brasília sabe do lobby que se passa na capital federal. “Todos vocês da mídia nos pressionavam por vacinas, então muitas pessoas foram recebidas lá no ministério”, afirmou. “Se você ver o próprio traje do Pazuello, ele tá sem paletó, aquele pessoal se reuniu com o diretor responsável por possíveis compras no ministério, e na saída ele conversou com o pessoal.”

“Agora, aquele vídeo… Se fosse algo secreto, negociado superfaturado, ele estaria dando entrevista, meu Deus do céu? Ou estaria escondidinho lá no porão do ministério? É só analisar isso aí.”

Na entrevista deste domingo, Bolsonaro disse que esqueceu o nome do policial militar Luiz Paulo Dominghetti Pereira, que, em entrevista à Folha e depois em depoimento à CPI da Covid, acusou um diretor do ministério de pedir propina de US$ 1 por cada uma das 400 milhões de doses que oferecia da AstraZeneca.

A negociação, considerada fantasma já que nunca houve garantia de conseguir o produto para o governo, resultou na demissão de Roberto Ferreira Dias. “São pessoas que não têm credibilidade nenhuma”, segundo Bolsonaro. “É motivo de orgulho para mim saber que todos esses possíveis contratos não deram mais que um passo.”

Bolsonaro saiu do hospital Vila Nova Star, unidade de elite, acompanhado do apóstolo Valdemiro Santiago (Igreja Mundial do Poder de Deus), um de seus aliados evangélicos, conhecido por usar roupas de caubói.

A negociação em 11 de março teve o desfecho registrado em um vídeo em que o general do Exército aparece ao lado de quatro pessoas que representariam a World Brands, empresa de Santa Catarina que lida com comércio exterior.

A Folha também obteve a proposta da World Brands. Com o depósito de metade do valor total da compra, seriam R$ 4,65 bilhões, considerando-se a cotação do dólar à época. Naquela data, o governo brasileiro já havia anunciado fazia dois meses a aquisição de 100 milhões de doses da Coronavac via Instituto Butatan, pelo preço de US$ 10 cada. A demissão de Pazuello seria tornada pública quatro dias depois.

Além da discrepância no preço, o encontro fora da agenda contradiz o que Pazuello afirmou em depoimento à CPI, em 19 de maio. Aos senadores o general disse que não liderou as negociações com a Pfizer sob o argumento de que um ministro jamais deve receber ou negociar com uma empresa. “Pela simples razão de que eu sou o dirigente máximo, eu sou o ‘decisor’, eu não posso negociar com a empresa. Quem negocia com a empresa é o nível administrativo”, disse o general à CPI.

No vídeo, um empresário que Pazuello identifica como “John” agradece a oportunidade e diz que podem ser feitas outras parcerias “com tanta porta aberta que o ministro nos propôs”. A reunião dos empresários foi marcada com o gabinete de Elcio Franco, que recebeu o grupo. Segundo ex-assessores da pasta, Pazuello foi chamado à sala, ouviu o relato da reunião e fez o vídeo.

Segundo um ex-auxiliar do então ministro, a ideia era propagandear nas redes sociais o avanço em uma negociação, no momento em que o governo era pressionado a ampliar o portfólio de vacinas. Após a gravação, de acordo com os relatos colhidos pela reportagem, parte da equipe ministerial pediu que os empresários não compartilhassem o vídeo, feito por meio do aparelho celular de John.

Pazuello enviou uma nota ao jornal na qual afirma que, no período à frente da pasta, não negociou aquisição de vacinas com empresários. “Enquanto estive como ministro da Saúde, em momento algum negociei aquisição de vacinas com empresários, fato que já foi reiteradamente informado na CPI da Pandemia e em outras instâncias judicantes”, escreveu o general da ativa.

Encaminhada como “Notificação Extrajudicial”, com pedido de direito de resposta, a nota foi publicada na sequência a toda a imprensa pela Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social), da Presidência da República. A Folha negará o direito de resposta. A secretaria afirmou ainda que o mesmo procedimento seria adotado em relação à CNN Brasil e ao jornal O Globo.

Bolsonaro saiu da internação de cinco dias com disposição de atacar a CPI da Covid (“será que não entenderam que só Deus me tira daquela cadeira?”) e um de seus rivais prediletos, o governador paulista, João Doria. Alfinetou o tucano, que se reinfectou com Covid mesmo tendo se imunizado com a vacina na qual apostou, a Coronavac.

Também foi na jugular do presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso, que desdenha de uma bandeira bolsonarista: o voto impresso. “A tecnologia que está aí é dos anos 1990. Por que essa vontade doida do ministro Barroso de buscar uma maneira de manter o sistema como está?”

Bolsonaro sustenta, sem nunca ter apresentado provas, que a urna eletrônica hoje adotada para as eleições é prato cheio para um pleito fraudulento. Vem dizendo que vai mostrar evidências, mas, até hoje, nada. No domingo, disse: “Peço aí a Deus que o cidadão que vai demonstrar a vocês a fraude nas eleições esteja bem, ele está com Covid”.

Ignorando apelos que já partem de sua própria equipe, o mandatário afastou de novo a possibilidade de se vacinar contra a doença pandêmica. Será o último da fila. “Eu como chefe, aprendi no Exército, primeiro os subordinados, primeiro quem tá atrás de mim. Depois que todos se vacinarem, aí vai chegar a minha vez.”

A fala não tem respaldo científico, já que o presidente, além de ser idoso e portanto teoricamente mais vulnerável, pode não só adoecer, mas ser um transmissor do coronavírus. Talvez por um “milagre de Deus”, não precisou se submeter a uma cirurgia, disse. Não prometeu seguir a dieta recomendada pelo cirurgião Antonio Macedo, líder da equipe que cuidou do quadro de obstrução intestinal que o levou a ser hospitalizado na quarta (14). Diz que não é o melhor exemplo nesse quesito.

Também neste domingo, o presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM), rebateu as falas de Bolsonaro e afirmou que “mentir virou coisa
natural no Brasil”, em particular vindo do presidente da República. O senador também elevou o tom e chamou de “assassinos” alguns dos responsáveis pelo enfrentamento da pandemia, especialmente pela omissão no caso do Amazonas. Sobre Bolsonaro, em particular, disse que mentir para ele é “é normal, ele é contumaz nisso, ele prevarica, desfaz fatos e cria versões”.

Aziz também disse que o vídeo com Pazuello deixa claro que ele mentiu para a CPI, uma vez que havia afirmado não negociar vacinas. E acrescenta que o presidente aceita esse tipo de comportamento, tanto que os nomeou —também o ex-secretário-executivo Elcio Franco— para cargos na Casa Civil.

“Um ministro da Saúde pode mentir, não tem problema nenhum, porque o presidente perdoa, passa a mão por cima, mantém lá do lado dele, no gabinete ao lado dele o general Pazuello e o coronel Élcio [Franco], que estavam negociando vacinas.” (Anna Virginia Balloussier/FSP)

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