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Lula ‘Robin Hood’ e Bolsonaro, o ‘alívio da verdade’: os achados das pesquisas qualitativas a dois meses das eleições

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Grupo focal: ilustração mostra como funcionam pesquisas qualitativas, com uma sala de espelho ao fundo (Ilustração de André Mello)

As pesquisas qualitativas são feitas Brasil afora para medir, no detalhe, sentimentos de eleitores diante de uma infinidade de situações e perguntas, como o Pulso já explicou em reportagem. Independentemente dos clientes que contratam empresas de pesquisa e seus interesses, as “qualis” revelam pensamentos de indivíduos que ajudam tanto um candidato a moldar melhor o discurso de acordo com sua estratégia quanto um governo ou marca de bebida a se comunicar melhor com cidadãos e clientes.

A dois meses das eleições, essa modalidade de pesquisa de opinião pública, claro, tem abordado muito as impressões sobre os dois pré-candidatos mais bem colocados nos levantamentos: Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL). Sócio do Instituto Travessia, o antropólogo e cientista político Renato Dorgan separou para o Pulso frases representativas de eleitores de diferentes regiões do Brasil que mostram pensamentos, conceitos e preconceitos — por vezes surpreendentes — sobre os dois pré-candidatos, praticamente impossíveis de serem detectadas nas pesquisas quantitativas, aquelas que mostram os números de intenção de voto e que serão cada vez mais constantes daqui a até o fim do primeiro turno.

As pesquisas “quali”, vale lembrar, buscam leituras específicas e em mais profundidade de eleitores sobre o cenário atual e não têm a capacidade de generalizar seus resultados para a população como um todo. São diferentes das quantitativas, que trabalham com amostras de entrevistados feitas para refletir o universo de eleitores do país.

Bolsonaro e suas ‘verdades’

Nos grupos focais, eleitores de Bolsonaro demonstram identificação com o temperamento do presidente e, muitas vezes, não citam uma opinião, programa de governo ou discurso específico do pré-candidato à reeleição:

O Bolsonaro é aquele cara que diz a verdade como eu. Perde muita coisa por isso, briga com família, amigos e até filhos, mas se sente aliviado em falar a verdade, o que pensa” Homem, 48 anos, taxista de Mato Grosso do Sul, classe B2 (renda familiar média mensal de R$ 5,7 mil).

Para outros entrevistados, a linguagem corporal fala mais alto. Vestir camisas de diversos clubes de futebol ao longo de quatro anos pode trazer conotações altamente positivas:

Bolsonaro usa camisa de futebol. Qual é o político que faz isso, tudo engravatado, com camisa bonita, cara? E não é só de time com muita torcida para agradar, é de qualquer time“. Homem, 29 anos, de Rondônia, classe C2 (renda familiar média mensal de R$ 1,9 mil).

O aspecto religioso de Bolsonaro e da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, também é observado como atributo valioso, mesmo que a eleitora abaixo o enxergue como “crente” e use uma palavra preconceituosa contra religiões de matrizes africanas. Bolsonaro tem alto trânsito e relações consolidadas com evangélicos, mas considera-se católico.

Ele diz as verdades, político normalmente é macumbeiro e finge ser católico. O Bolsonaro é crente, não tem vergonha de assumir, a mulher dele é de Deus, eu gosto disso“. Mulher, 53 anos, do Acre, classe C2 (renda familiar média mensal de R$ 1,9 mil).

Lula, a memória do governo e o despertar ‘do pesadelo’

Após as ações penais decorrentes do mensalão e da Lava-Jato, que levaram petistas e políticos do centrão (muitos hoje com Bolsonaro) para a cadeia, o ex-presidente Lula pode ser visto, aos olhares de um jovem em uma pesquisa “quali”, como um tipo de Robin Hood. Aos 21 anos, o entrevistado não acompanhou de perto as investigações e julgamentos, mas interpreta o porquê dos acontecimentos de forma clara e direta:

Lula é uma espécie de Robin Hood, tira dos ricos e dá para os pobres“. Jovem, 21 anos, de Mato Grosso do Sul. classe C1 (renda familiar média mensal de R$ 3,2 mil).

Já para quem passou por dificuldades para comprar comida, a memória dos governos Lula e de programas sociais como o Bolsa Família pesa muito. Comer carne conta, como explica essa entrevistada em grupo focal:

Eu voto em Lula para voltar a comer carne. E digo o porquê. É fácil quem comeu carne a vida toda achar que é um absurdo votar em Lula por isso. Mas sou do sertão, não comia quase carne até meus 20 anos. Quando Lula ganhou, passei dez anos comendo sem me preocupar com isso e hoje outra vez não como, não consigo comprar nem sobra e osso. Quero acordar desse pesadelo.” Mulher, 43 anos, da Paraíba. classe C2 (renda familiar média mensal de R$ 1,9 mil).

O antipetismo pode até se manifestar entre eleitores de Lula, mas considerações sobre o que seria o objetivo final do presidente, neste caso positivo, ficam evidentes na frase abaixo:

Lula se preocupa com os pobres, qual de nós nunca roubou e mentiu? O mais importante é que nós ajudamos quem precisa“. Mulher, sem idade especificada, de Pernambuco, classe D (renda familiar média mensal de R$ 860).

Já o antibolsonarismo aparece também relacionado a traumas pessoais vividos por entrevistados:

Bolsonaro é tudo de ruim, vejo nele meu vizinho que me abusou, meu pai e o pastor da minha igreja que não me aceitou, meus clientes que me trataram feito lixo” Transexual, 42 anos, de São Paulo, classe C1 (renda familiar média mensal de R$ 3,2 mil).

Renato Dorgan, do Travessia, ressalta a importância da identificação pessoal com o político, que não está relacionada somente a aspectos econômicos que envolvem o bolso de cada um. Sem esse processo pessoal, dificilmente uma opção de terceira via pode ser competitiva.

— A conquista eleitoral, com sinais simples, mostra que a identificação do eleitor com o político faz parte do sucesso eleitoral no Brasil. Bolsonaro e Lula criaram uma identidade popular baseada em estilos de vida, comportamentos e defesas ideológicas semelhantes aos das pessoas comuns. Talvez seja esse, hoje em dia, o principal ativo de cada um, e uma das explicações de a terceira via não se consolidar desde 2018, já que nitidamente existe uma distância dos políticos de centro com o cidadão comum — explica Renato Dorgan, especialista em pesquisas qualitativas e sócio do Instituto Travessia. (Flávio Tabak/O Globo — São Paulo).

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