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Os 100 anos da Folha de S. Paulo

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19/02/2021 – 01h40

Capa da Folha da Noite de 19/2/1921 apresentava programa do novo jornal de SP e destacava eleições legislativas

Blocos compactos de letras espremidas, como era usual, dominam a capa de estreia da Folha de S. Paulo, em 19 de fevereiro de 1921, um sábado. O cardápio editorial da então Folha da Noite é enxuto: há uma espécie de carta ao leitor, anunciando o “programa” do novo jornal, uma manchete sobre as eleições legislativas do dia seguinte, uma reportagem sobre reivindicações de servidores públicos e uma nota a respeito da indenização a ser paga pela Alemanha, derrotada na Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

Cem anos depois, os textos, claros para o leitor da época, demandam contextualização.

Um elogio ao bom senso

O programa da Folha é um elogio à capacidade de mudar de acordo com as circunstâncias. O jornal cita o exemplo do primeiro-ministro britânico Lloyd George, que abandonara o pacifismo para se juntar aos aliados, vencedores da Primeira Guerra Mundial.

O argumento era que, diante dos fatos que se sucedem com prodigiosa celeridade, “criando problemas imprevisíveis e inéditos”, deve prevalecer o bom senso. Por isso, a

Folha da Noite deveria demonstrar “oportunismo”, expressão que ainda não tinha conotação pejorativa.

“Toda e qualquer obstinação a propósito do que há de mais incerto e inconstante —referimo-nos aos interesses públicos— sob pretexto de ‘coerência’ de ideias […] sempre nos pareceu repugnar às verdadeiras inteligências e ser incompatível com a mutabilidade perene dos problemas sociais e políticos”, diz a carta.

O texto, sem assinatura, foi redigido por Júlio de Mesquita Filho, integrante do grupo de jovens jornalistas que fundou a Folha da Noite. Quase todos haviam sido redatores da edição vespertina de O Estado de S. Paulo, o Estadinho, que acabara de encerrar sua circulação depois de seis anos de existência.

Com menos de 30 anos, Mesquita Filho ficou pouco tempo na Folha. Logo voltaria ao Estado, onde, a partir da segunda metade daquela década, sucederia o pai no comando da empresa.

Mirando a classe média

O enunciado anódino da manchete, “As eleições de amanhan” (conforme a grafia da época), empresta um ar de neutralidade a um texto que, ao dar voz a dois candidatos avulsos, não esconde a simpatia do jornal pelo voto secreto. São ouvidos dois médicos com atuação pública: Nicolau Soares do Couto Esther, que concorreu ao Senado, e Rubião Meira, que tentou uma cadeira de deputado federal.

Couto Esther afirma: “O ‘voto secreto’, desde que fosse estabelecido, viria remediar sensivelmente o atual estado de coisas”. Ele se referia, genericamente, aos vícios eleitorais típicos da Primeira República.

Rubião Meira ataca a hegemonia do Partido Republicano Paulista, critica o “voto de cabresto” e avalia que o país não tem nem um arremedo de democracia.

A legislação eleitoral em vigor, de 1904, permitia o voto a descoberto. O eleitor preenchia duas cédulas e as assinava. Uma era depositada na urna e a outra ficava em seu poder.

A Folha passaria a fazer campanha pelo voto secreto. “Só pelo segredo impenetrável das urnas eleitorais a democracia entrará na posse de si mesma”, dizia em editorial de 1922. Após dez anos, o voto no Brasil passaria a ser secreto, de acordo com os termos do Código Eleitoral de 1932.

Como as cédulas eram confeccionadas pelos candidatos, porém, as distorções persistiram, favorecendo os mais ricos. A Folha defendeu então a cédula única, aprovada em 1955.

A defesa do voto secreto

A reportagem sobre as demandas salariais dos funcionários municipais de São Paulo é claramente dirigida a um leitor que o jornal queria conquistar, oriundo de uma emergente classe média.

O texto, francamente favorável à reivindicação, reproduz o argumento singelo da associação de classe criada no mês anterior. Em carta dirigida à Câmara dos Vereadores, os signatários afirmavam que “para o melhor aproveitamento da atividade humana é de necessidade absoluta a serenidade de espírito”, o que os funcionários não poderiam ter devido à remuneração insuficiente. Para comprovar a assertiva, a Folha estampou uma lista de gastos, com itens que incluíam do básico (alimentação e transporte) a “miudezas diversas” e “seguro”.

No início de 1921, o movimento sindical ainda estava agitado. Quatro anos antes, São Paulo havia sido palco de uma greve geral. Os trabalhadores conseguiram aumentos nominais que, no entanto, foram comidos pela inflação dos anos seguintes.

Em 1918, o índice do custo de vida subiu mais de 10%, e no ano seguinte superou os 30%. Em 1920, mais 10% de alta. As greves se multiplicavam, mas as conquistas se mostravam efêmeras porque o poder aquisitivo não resistia ao aumento generalizado dos preços.

Em 1921, a escalada arrefeceu. O índice do custo de vida foi um pouco maior do que 2%. Mas as perdas cumulativas dos anos anteriores pesavam no bolso dos funcionários públicos.

A conclusão do Tratado de Versalhes

A única notícia internacional registra um desdobramento do Tratado de Versalhes, que impôs duras sanções à Alemanha pelos prejuízos causados pela guerra. O documento havia sido assinado em 1919, mas, dois anos mais tarde, o valor da indenização ainda não fora fixado.

A Folha informa que Lloyd George, primeiro-ministro britânico, em discurso na Câmara dos Comuns, disse aos deputados que a Alemanha deveria pagar indenização “dentro de sua capacidade” e não seria “compelida a pagar tudo quanto custou a guerra”.

Um dos principais negociadores do tratado, ele antecipou o que de fato ocorreria dois meses mais tarde, quando os aliados apresentaram a fatura aos alemães: US$ 33 bilhões em valores da época, uma quantia exorbitante, mas aquém dos US$ 56 bilhões da proposta inicial.

Os humilhantes termos do tratado —que incluíam redução territorial de 10% e restrições ao Exército— provocaram indignação nos alemães, que reagiram se deixando seduzir pelo projeto nazista de Hitler, que levaria à Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Nas décadas seguintes, o nazismo foi derrotado, a Alemanha foi dividida e reunificada, tornou-se a maior potência econômica da Europa —e nesse tempo todo continuou pagando a conta da guerra. A última prestação foi saldada em setembro de 2010.​

Os 100 anos da Folha de S. Paulo

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