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‘Larguei a câmera e puxei a arma’: O atentado no Vaticano que deixou um Papa à beira da morte

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14/05/2021 – 08h22

O Papa João Paulo II foi baleado em plena São Pedro, em meio a milhares de fiéis, no Vaticano

Havia mais de 20 mil fiéis na Praça de São Pedro saudando o Papa João Paulo II na tarde do dia 13 de maio de 1981. De pé em seu pequeno jipe branco cercado por seguranças vestindo ternos escuros, o Pontífice passava num corredor em meio à multidão, acenando e cumprimentando as pessoas, separadas dele por uma cerca de 1 metro de altura. Era tanta euforia que muitos presentes não entenderam nada quando, às 17h17 daquela quarta-feira, há exatos 40 anos, o então líder da Igreja Católica caiu sentado no banco do automóvel com o rosto contorcido de dor.

Ao perceberem que o Papa havia sido baleado, o motorista do carro e os agentes do Vaticano saíram em disparada, deixando para trás um mar de gente com os olhos arregalados e as mãos na boca. Algumas pessoas caíram em prantos, outras até desmaiaram. Àquela altura, ainda não estava claro, mas João Paulo II havia sido atingido quatro vezes. Duas balas ficaram alojadas em seu intestino delgado, e outras duas feriram o dedo indicador da mão esquerda e seu braço direito.

Enquanto a maior parte da multidão ainda estava sob impacto daquela cena, o autor dos disparos tentava fugir se aproveitando do caos formado na praça. Ele saiu correndo e jogou a sua pistola semi-automática Browning HP 9mm debaixo de um caminhão, mas foi detido por testemunhas, entre elas uma freira, que viram quando o criminoso disparara sua arma a poucos metros do Pontífice. Em seguida, as pessoas o entregaram para os agentes, que o imobilizaram e o levaram preso. Mas, afinal, quem era aquele rapaz e por que ele tentara matar o Papa

Atentados promovidos por extremistas religiosos ainda estavam longe de ser algo frequente, como é hoje, na Europa. Mas o muçulmano Mehmet Ali Agca, de 23 anos, não era um desconhecido e nem estava agindo sozinho. Em fevereiro de 1979, o membro da organização ultra-nacionalista Grey Wolves, na Turquia, assassinara o jornalista Abdi Ipekçi, editor do “Milliet”, um dos maiores diários daquele país, sediado em Istambul. Ele foi preso, mas passou apenas seis meses na cadeia, antes de escapar com ajuda de outro membro do seu grupo terrorista.

Ainda em 1979, o “The New York Times” informou que Agca definira o Papa como o “líder mascarado das cruzadas” e prometera matá-lo se ele não desmarcasse uma visita ao seu país, programada para novembro daquele ano. A viagem de João Paulo II à Turquia aconteceu sem problemas, mas o grupo extremista não desistiu de levar a cabo sua ameaça. Segundo contou o próprio atirador em depoimento à polícia após o atentado no Vaticano, ele começou sua jornada à Itália ainda em agosto de 1980, tomando todos os cuidados para não ser identificado.

Assim que escapou da prisão na Turquia, Agca foi para a Bulgária, onde se escondeu com ajuda de Abdullah Çatli, segundo homem no comando dos Grey Wolves. De lá, o terrorista deu início a sua viagem, entrando e saindo de países com passaportes falsos, para evitar rastreamento. Em 10 de maio de 1981, ele desembarcou de um trem em Roma, onde encontrou seus cúmplices. Segundo o plano elaborado, Agca atiraria no Papa e, em seguida, teria sua fuga acobertada pela explosão de uma bomba que seria previamente plantada na Praça de São Pedro.

A pistola Browning HP 9mm usada por Ali Agca para tentar matar João Paulo IIA pistola Browning HP 9mm usada por Ali Agca para tentar matar João Paulo II | Foto de arquivo/AFP
De acordo com o depoimento de Agca, o grupo de cinco terroristas (dois turcos e três búlgaros) chegou de carro ao Vaticano, ainda pela manhã do dia 13 de maio. O militar búlgaro Zhelio Vasilev foi quem deu as instruções sobre onde estariam a multidão, o Papa, as barreiras de proteção e os carros da polícia. Após o ataque, eles deveriam voltar ao carro e se dirigir a uma caminhonete para continuar fugindo. Depois de receber as orientações, Agca e o outro turco, Oral Çelik, foram almoçar na Piazza Barberini. Eles encontraram os outros dois búlgaros por volta das 15h e rumaram, novamente de carro, para a Praça de São Pedro.

Eram 16h quando os terroristas estacionaram perto da Embaixada Canadense no Vaticano. Agca usou uma câmera fotográfica para se parecer com um turista, e os quatro criminosos ficaram sentados na praça fingindo que escreviam em cartões postais enquanto esperavam. “Antes de o Papa sair da Basílica de São Pedro, Celik e eu assumimos nossos postos. Eu estava do lado direito da praça, se você olhar para a catedral. Celik estava a cerca de 40 metros à minha esquerda”, disse ele no depoimento. “O Papa, então, a certa altura estava entre mim e Celik”.

O turco Mehmet Ali Agca num tribunal em Roma em 1985O turco Mehmet Ali Agca num tribunal em Roma em 1985 | Foto de arquivo/AFP
“Antes de atirar, eu sinalizei com os olhos para Celik… Eu estava fingindo fazer fotografias, mas quando o Papa deu a segunda volta com seu carro na Praça… Eu larguei a câmera jogando-a no chão e puxei a arma do cinto, atirei duas ou três vezes. Não consegui continuar atirando porque as pessoas ao meu redor agarraram meu braço direito, que estava com a arma”. Como a explosão planejada não aconteceu, Agca correu em direção à multidão para tentar escapar das pessoas que tentavam imobilizá-lo. Mas foi impedido pelo grupo e entregue à polícia.

João Paulo II, por sua vez, foi levado para o Hospital Universitário Gemmeli, em Roma. Ele perdeu dois terços de seu sangue e, no caminho, chegou a ficar inconsciente. O Papa foi submetido a uma cirurgia de cinco horas. Antes de ser operado, num breve momento em que recobrara a lucidez, o Pontífice pediu aos médicos que não removessem seu escapulário sagrado do pescoço. Dias depois, quando já estava em recuperação na unidade de saúde, Karol Wojtyla disse que a Virgem Maria o ajudara a escapar da morte.

Papa João Paulo II com a americana Ann Odre, baleada no atentado em 1981Papa João Paulo II com a americana Ann Odre, baleada no atentado em 1981 | Foto de arquivo/AP
Duas turistas americanas também foram baleadas no atentado, e uma delas ficou gravemente ferida. Moradora de Buffalo, no estado de Nova York, Ann Odre estava de pé numa cadeira quando foi atingida no peito. Ela precisou de três cirurgias ao longo de seis meses, mas sobreviveu. Nos anos seguintes, encontrou-se três vezes com o Papa. A americana morreu em 1997, aos 73 anos de idade.

Agca foi julgado e condenado à prisão perpétua. Dois dias depois do Natal de 1983, João Paulo II visitou o terrorista na Penitenciária de Rebibbia, em Roma. As imagens do encontro foram exibidas na TV, mas sem o áudio do diálogo mantido entre eles. Tudo que os microfones captaram foi o Pontífice dizendo: “Então é aqui que está. Como vai? Fala italiano?”. Em seguida, os dois se falaram reservadamente por 20 minutos. “Nossa conversa vai ser um segredo entre nós. Eu falei com ele como um irmão que perdoei e que tem minha total confiança”, contou o religioso.

Muitas foram as teorias sobre quem teria idealizado o atentando e quais teriam sido suas motivações. Segundo uma dessas narrativas, o crime fora planejado pelo governo da União Soviética e levado adiante por agentes da KGB em parceria com o serviço secreto na Bulgaria. Ainda de acordo com essa teoria, jamais comprovada, Moscou queria se vingar do Papa por seu apoio ao movimento Solidariedade, que ameaçava a hegemonia soviética no Leste Europeu. O próprio Mehmet Agca deu várias versões para o crime. A história permanece mal contada.

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Em junho de 2000, o presidente italiano Carlo Ciampi perdoou o terrorista turco, a pedido do Pontífice. Ele foi, então, extraditado à Turquia e encarcerado logo que chegou, para cumpir a pena de prisão perpétua pelo assassinato do jornalista Abdi Ipkçi, em 1979. Agca só deixou a cadeia em janeiro de 2010. Aos 52 anos, ele ainda foi cogitado para serviço militar obrigatório, mas foi dispensado após o diagnóstico de um distúrbio mental. No dia em que deixou a prisão em Sincan, perto de Ankara, o extremista turco distribuiu uma declaração à imprensa dizendo: “Eu proclamo o fim do mundo. Todo o mundo vai ser destruído neste século. Todos os seres humanos morrerão neste século”. Ele afirmou ainda: “Eu sou o Cristo eterno.”

No dia 27 de dezembro de 2014, Ali Agca voltou ao Vaticano para deixar flores no túmulo do Papa João Paulo II. “Senti que precisava realizar esse gesto”, ele disse. “Mil obrigados, santidade”.(O Globo/Acervo)

'Larguei a câmera e puxei a arma': O atentado no Vaticano que deixou um Papa à beira da morte

O momento da prisão de Ali Agca logo depois que ele atirou no Papa João Paulo II | Foto de arquivo/AFP

O Papa João Paulo II conversa com Mehmet Ali Agca, o homem que tentou matá-lo | Foto de arquivo/AP

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