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sexta-feira, março 29, 2024

Leonel Brizola, amado e odiado, via Lula como sucessor

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Autor do livro “Brizolismo” (1999), sua tese de doutorado em ciência política, o sociólogo João Trajano Sento-Sé se refere a Leonel Brizola como uma liderança popular que movimentava paixões. Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, ele diz que Brizola foi ao mesmo tempo amado, temido e odiado. “Não havia posição neutra frente à sua figura.”

No sábado (22) completam-se 100 anos do nascimento de Brizola, que foi deputado estadual e federal, prefeito de Porto Alegre e governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro. Inimigo da ditadura militar, ele foi para o exílio no Uruguai em 1964 e retornou ao Brasil em 1979.

Nesta entrevista à Folha de S. Paulo, Sento-Sé afirma que Brizola se tornou o principal herdeiro do trabalhismo de Getúlio Vargas no período da redemocratização, atualizando essa tradição para a realidade brasileira do último quarto do século 20.

O professor diz, também, acreditar que Luiz Inácio Lula da Silva era visto por Brizola como o seu sucessor. “[Ele] apontava qualidades e de fato via no Lula aquele que seria capaz de dar continuidade a essa linhagem de lideranças populares.”

Qual a hipótese do seu livro? O livro tem uma pergunta: “o que é o brizolismo?” Quais são os diferentes significados, positivos e negativos, atribuídos à atuação do Brizola na cena pública brasileira?

Sempre houve muita polêmica e os posicionamentos em relação a ele foram sempre muito rasgados, marcados pela paixão, seja pela adesão ou pela rejeição. Minha hipótese era que, na verdade, havia diferentes versões sobre o desempenho do Brizola.

No contexto da redemocratização, ele era a liderança que mais buscava recuperar a conexão entre a primeira experiência de democracia de massas no Brasil, a República de 1945, com aquilo que estava sendo construído a partir da exaustão do regime militar.

Brizola era considerado um dos grandes inimigos do regime. Para os segmentos mais conservadores, ele era o risco que o regime combatia. Para outros segmentos populares, ele era a grande liderança popular alvo da ação autoritária do golpe. Havia uma terceira versão mais interessante, vinculada aos movimentos populares, que culpabilizavam Brizola pelo golpe em razão de sua suposta radicalidade.

Brizola era certamente a figura que na redemocratização mais mobilizava fantasias e fantasmas do período que tinha sido abortado com o golpe de 1964. Num contexto em que o varguismo e o trabalhismo eram demonizados por forças da direita e de parte da esquerda, ele reafirmava o caráter popular da tradição trabalhista. Ele fazia isso atualizando a agenda trabalhista, daí o novo trabalhismo.

Leonel Brizola, amado e odiado, via Lula como sucessor
Brizola e Lula em comício na praça da Sé, região central de São Paulo – Silvestre P. Silva 13.dez.1987/Folhapress

O sr. diz que os mesmos fatos geravam versões positivas e negativas sobre Brizola? Há muitos aspectos da trajetória e do desempenho dele positivados ou negativados de acordo com o enunciador dos discursos. Não se conseguia distinguir [pelo discurso] o lugar no espectro ideológico ocupado pelo enunciador.

Dizia-se que Brizola foi um dos principais ou grande responsável pela radicalização que levou ao golpe de 1964. Eu ouvi isso de figuras mais conservadoras, que falavam isso defendendo o golpe, mas também ouvi de figuras vinculadas à esquerda, [que diziam que] “o Brizola pesou a mão, radicalizou num contexto que não era para radicalizar e acabou precipitando uma movimentação que fez com que a extrema-direita triunfasse”.

No contexto da redemocratização, Brizola foi o principal herdeiro da tradição de Getúlio Vargas e de João Goulart? Até a morte de Jango, em 1976, havia uma certa disputa pelo legado varguista. Jango era tido como uma liderança mais conciliadora, moderada, com mais habilidade política. Brizola tinha um perfil mais jacobino, combativo, radical. Jango tinha sido ungido por Getúlio, foi ministro, chegou à Presidência.

Com a morte de Jango, Brizola é reconhecido, inclusive pela militância, como o herdeiro do trabalhismo. Ele volta do exílio reclamando esse lugar. Uma frase que ele usava muito era que “temos que recuperar o fio da história que foi rompido violentamente com o golpe de 1964”.

Como o sr. define o brizolismo? Não dá para definir se não como um campo de disputa sobre diferentes significados para a inserção das camadas populares na vida pública na República brasileira. Acho que é uma pista para apontar, sobretudo naquele contexto de redemocratização, o quanto a figura do Brizola e a atuação dele foram importantes.

Quando os partidos são criados depois da volta dos exilados, o primeiro movimento a trazer para a agenda político-partidária a questão do direito das mulheres, do racismo, do meio ambiente, é justamente o PDT na leva do novo trabalhismo. Logo depois o PT incorpora também.

Brizola trouxe a questão dos direitos humanos para a segurança pública. O comando da PM [em seu governo no RJ] foi ocupado por um oficial negro, Nazareth Cerqueira, totalmente comprometido com a questão dos direitos humanos.

Brizola foi muito criticado pela segurança pública em seu governo. O que ilustra o que estou falando. Quando ele encampa, de forma meio atabalhoada, mas enfática e firme, a questão dos direitos humanos, por um lado vai ser reconhecido e respeitado. Por outro, vai ser criticado por setores da esquerda que diziam que ele fazia um mau uso da expressão, um uso oportunista. Já os setores conservadores vão identificar uma complacência com o crime. Mas ninguém nega que ele tenha trazido isso para o debate político-partidário. A questão dos direitos humanos era muito associada à violência do estado contra presos políticos e ele estende isso à violência do estado contra a população das favelas, contra os negros.

Quão importante foi o carisma do Brizola para o seu crescimento na política nacional? Ele se enquadra bem na figura do líder carismático. Estabeleceu uma conexão muito forte com o público e conseguiu transformar essa conexão em voto. Ele construiu isso por uma sensibilidade absurda, uma capacidade de comunicação muito grande e por uma disposição rara para brigar.

No período em que era ativo politicamente, ele estava no meio de todas as encrencas. Não tinha uma crise, um momento de acirramento das paixões que ele não participasse, assumindo posições de forma muito firmes, e em geral posições populares.

A morte do Brizola foi um golpe no trabalhismo? Acho que o trabalhismo associado ao legado varguista, naquela linhagem de Júlio de Castilhos, Getúlio Vargas, Alberto Pasqualini, Jango, Brizola, cumpriu seu papel histórico.

Brizola fez o suficiente para que não se possa pensar a história republicana brasileira sem levar em consideração esse trabalhismo. Ele teve um papel importante para que o trabalhismo petebista seja indissociável da nossa experiência de democracia de massas e republicana a partir da segunda metade do século 20.

Muitas das questões desse trabalhismo mudaram de cara, de significado, de locutores. Num certo sentido, o PT traz um pouco alguns dos aspectos importantes, mas não pode ser identificado como uma continuação.

O PDT não conseguiu levar o trabalhismo para frente de forma relevante após a morte de Brizola? O PDT sobrevive como um partido médio para pequeno, e a duras penas preserva algumas posições. Por exemplo, a Tabata Amaral apareceu como uma jovem liderança e desafinou quando teve a votação da reforma, e houve muito conflito. É um partido que hoje sobrevive quase que por aparelhos. Mas aquela força, a pegada que a gente identificava no trabalhismo, está muito dispersa. Quem se aproxima mais disso no nosso contexto político-partidário sem dúvida é o PT.

Qual marca Brizola deixa na política nacional? São muitas. Mais recentemente, nesse período que a gente viveu tão conturbado, desde 2013, o nome dele reapareceu como uma liderança com uma capacidade de comunicação muito forte e uma sensibilidade política muito aguçada, ligada a uma linhagem de políticos populares não vinculados à tradição marxista.

Ele tinha uma identificação muito forte com a construção de um projeto nacional que passava pela indústria, pela proteção aos interesses nacionais. Também há uma marca muito grande no campo da educação, que ele trouxe desde o governo no Rio Grande do Sul.

Ao mesmo tempo, Brizola teve a sensibilidade de ir percebendo o declínio eleitoral. Não necessariamente a força pública de uma liderança se traduz em voto, sobretudo quando já se tem um nome um pouco batido. Em 1998, aceita, numa demonstração muito bonita, ser vice do Lula.

Na época prevaleceu a versão dos críticos que diziam que ele estava se dando conta de que não tinha força suficiente e que, por isso, estava se aboletando na candidatura do Lula. Na verdade eu entendo que esse era mais um capítulo de sua performance pública: ele aceitar que não tinha mais capacidade de galvanizar adesão e ser vice de uma liderança muito mais jovem do que ele.

Por que Brizola não chegou à Presidência? Em função da enorme resistência. Ele foi objeto de muitas maquinações de segmentos não somente conservadores e reacionários, mas de muitos democratas liberais que o temiam e o identificavam com uma tradição não liberal de política democrática. Houve muita sabotagem à figura dele. O que a literatura aponta é que, a partir de determinado momento, a figura do Lula foi inflada muito para alijar Brizola do segundo turno [em 1989].

Não havia posição neutra frente à figura do Brizola. Ele era muito amado por quem era brizolista. Era muito temido por quem comungava de algumas ideias, mas tinha certos receios em relação às origens dele —o chamavam de caudilho por ser uma liderança do Sul— e ao que viam como certas características não democráticas. Ele tinha também a capacidade de causar um ódio muito grande, sobretudo entre segmentos demofóbicos das elites políticas e econômicas, que têm horror à classe popular.

Nesse sentido, parece um pouco com o Lula. No auge da rivalidade entre PT e PDT, eu percebi isso e escrevi num artigo que Brizola identificava no Lula o seu sucessor. Eu fui catando em arquivo, olhando entrevista do Brizola, e percebia que, embora o Lula não fosse do PDT, não fosse trabalhista e baixasse o pau no trabalhismo, Brizola livrava a cara dele. Ele apontava qualidades e de fato via no Lula aquele que seria capaz de dar continuidade a essa linhagem de lideranças populares.

Como ele, Lula vinha de uma classe de trabalhadores, era um cara com uma trajetória de atuação política que começa lá na base. Brizola tinha essa coisa do líder, que seria fundamental para botar ordem na casa, indicar direções, e ele era muito criticado por pensar assim e por atuar assim.

Mas Brizola morre ressentido com o Lula, chegou a desembarcar do governo. Ele achava que o Lula não estava operando segundo o que ele deveria operar. Mas também é uma coisa do debate político, do confronto. Acho que se a gente pegar a nossa história republicana, Lula é a liderança com a maior proximidade a essa linhagem que teve no Brizola uma encarnação tão importante.

Nessas eleições o sr. acha que ele estaria com Lula ou com Ciro? É pura especulação, mas acho que Brizola estaria esses anos todos atirando para todos os lados. Ele teria sido um crítico muito feroz do governo Dilma, certamente. Ele chegou a fazer críticas ao governo Lula e faria mais, mas acho que teria subido no palanque horas antes de o Lula ser preso. Acho que teria combatido o governo Temer e todo esse desmonte que chamam de reforma trabalhista. E seria um adversário feroz, o inimigo número 1 do bolsonarismo.

RAIO-X

João Trajano Sento-Sé, 58, autor de “Brizolismo” (1999), professor de ciência política na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, doutor em ciência política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro

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