Como os douradenses insistem em fechar os olhos para o que acontece ao seu derredor, por exemplo, ignorando o significado do aceno permanente da famosa “Mão do Braz”, indiferentes à bela e rica história que há por trás dela, precisou um carnavalesco da “Cidade Branca” se atentar para colocar os pingos nos is. Agora, no carnaval de 2023, a turma da escola de samba Major Gama vai se encarregar de homenagear Dourados na avenida, em Corumbá, retratando tudo aquilo que deveria ser motivo de orgulho, pelo menos, dos legítimos representantes da Terra de seu Marcelino.
O samba-enredo que já faz sucesso nas mídias sociais e nos grupos de relacionamento na internet vai dos primórdios da história da terra “onde o Brasil foi Paraguai”, como lembra Almir Sater numa de suas antológicas composições, falando do passado recente e mirando o futuro.
“Desperta essa terra gigante, guerreira, valente
Auê, sou terena, guarani, caiuá”.
Como, mesmo em se tratando de carnaval, nem sempre é possível agradar a gregos e troianos, o enredo já vem provocando discórdia. E tinha que ser no campo político! Daí, claro, a exploração do assunto aqui neste espaço. Não se sabe porque cargas d’água, mas segundo uma das partes interessadas, a letra original do samba-enredo foi alterada, exatamente na parte que se refere ao principal cartão postal da cidade, a já famosa “Mão do Braz” – o monumento ao Colono, com que o então prefeito Braz Melo tentou perpetuar a história da colonização agrícola que deu origem não apenas ao município, mas que impulsionou o progresso de toda a região na era Vargas.
“Desenvolvimento industrial, cravada no concreto
Minha história patrimônio cultural
Monumento ao Colono, orgulho do povo”
Pode ser que a troca do apelido “Mão do Braz” pelo nome correto do monumento tenha sido apenas uma dessas licenças poéticas, para atender, por exemplo, à necessidade de alguma rima. Neste caso, recorrendo-se a outro samba, o do cantor Dicró, que diz que “perigosa é a rima que dá”. Sim, já deu! E muita confusão, porque a maledicência, tão própria da província, já atribui a mudança ao prefeito Alan Guedes, que não tem nada a ver com essa história. “Já que tiraram a ‘mão do Braz’ por que não colocaram a ‘pinguela’ do Alan como referência de atração turística da cidade?”, diz dos antigos apaixonados pelo ex-prefeito. A “pinguela” é uma alusão à ponte recém-construída na baixada entre o BNH-III e o Jardim Europa, que andou dando o que falar semana passada por conta da erosão causada por uma obra inconclusa da Sanesul no local. “Espalhafato de adversários políticos, a ponte está firme e forte”, garante um assessor municipal.
Solo fértil, braço forte, ecoou um canto de fé;
Na colheita do milho e do café
Apenas reforçando a possibilidade da tal licença poética, observando também que não se pode atribuir a Alan Guedes ou a qualquer outro político qualquer interferência na letra do samba-enredo da Major Gama, uma vez que nela há uma desinformação em que isso fica flagrante, no que se refere à economia do município. É no trecho em que, apenas para rimar com a fé (na Imaculada Conceição, a padroeira do município que também entrou no samba) o autor fala em milho e café. O milho uma cultura secundária, depois da soja, da cana-de-açúcar e do boi. E o café, para também ficar na rima, só mesmo algum saudosista que ainda mantém algum pé.
Claro que quando fala em desenvolvimento industrial cravada (sic) em concreto a Major Gama está se referindo não apenas ao concreto com o qual o qual o arquiteto Luiz Carlos Ribeiro materializou o sonho do prefeito Braz Melo em deixar seu legado às futuras gerações, mas se referindo também às grandes indústrias. Neste caso, mais atual que nunca, antevendo, com a chegada dos arranha-céus, a metrópole que nem o mais otimista dos nativos da terra vermelha (tema da próxima novela ‘das oito’ da Globo e do próximo texto aqui nesta página) acreditava que a cidade se transformaria em tempos tão próximos.
Polêmicas à parte, que tal cair no samba e cantar Dourados?