Fogo pesado vindo dos telhados e apartamentos. Projéteis perfurantes explodindo transportadores de tropas. Combatentes misturam-se com civis, lançando emboscadas de drones ou surgindo de túneis cheios de munição. Comida e água suficientes para sustentar uma longa guerra.
Enquanto o exército israelense reúne tanques na fronteira de Gaza para uma invasão com o objetivo de eliminar o Hamas, especialistas alertam que as tropas do país podem enfrentar alguns dos combates mais intensos de rua desde a Segunda Guerra Mundial em outras áreas densamente povoadas da Palestina.
Estudiosos de guerra urbana e autoridades americanas fazem comparações sombrias com o Iraque: pense em Falluja em 2004, os combates mais intensos que as tropas americanas enfrentaram desde o Vietnã, ou a luta de nove meses para derrotar o Estado Islâmico em Mosul em 2016, que levou a 10 mil mortes civis. Agora, multiplique o impacto destrutivo, possivelmente exponencial.
O Hamas tem de três a cinco vezes mais combatentes —talvez 40 mil no total— do que o Estado Islâmico tinha em Mosul. Pode mobilizar reservas de uma população jovem e inquieta, e tem apoio internacional de países como o Irã. Mesmo por conta própria, a liderança do Hamas teve anos para se preparar para a batalha em Gaza, incluindo nas ruas da cidade, onde tanques e munições precisas podem ser superadas por táticas de guerrilha.
— Vai ser feio — disse o tenente-coronel Thomas Arnold, estrategista do Exército dos EUA que publicou estudos sobre operações urbanas no Oriente Médio. — As cidades são o playground do diabo porque tornam tudo infinitamente mais difícil.
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, prometeu “derrubar o Hamas”. Sem definir claramente o que isso significa, ele se comprometeu a remover o grupo da Faixa de Gaza após o ataque do dia 7 de outubro, no qual 1.400 pessoas morreram e outras 200 foram sequestradas.
Mas Gaza é uma área altamente urbanizada, com o Hamas profundamente enraizado, tornando-se um campo de batalha complexo. Preocupado com os desafios à frente, o governo de Joe Biden, dos Estados Unidos, enviou altos oficiais militares para fornecer aconselhamento aos israelenses, com base em suas próprias experiências no Iraque, ao mesmo tempo em que pressiona Israel para adiar a invasão, a fim de negociar a libertação dos reféns do Hamas e fornecer mais ajuda humanitária. Autoridades americanas estão preocupadas que Israel não tenha um plano com objetivos claros e alcançáveis que evitem uma enorme perda de vidas entre os mais de dois milhões de civis palestinos em Gaza.
— Eu os encorajei a conduzir suas operações de acordo com o direito internacional — disse o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd J. Austin III, no último domingo.
Com a história como guia, três fatores provavelmente moldariam uma guerra terrestre nas cidades de Gaza: o ambiente urbano, a interação entre combatentes e civis e as pressões políticas.
O território
A Faixa de Gaza tem cerca de 360 km², uma faixa estreita um pouco maior em área do que Las Vegas, com um aglomerado de centros urbanos. A capital, Gaza, tem cerca de 700 mil pessoas comprimidas em cerca de 51 km², com mais prédios altos do que as forças lideradas pelos EUA enfrentaram na batalha por Mosul, criando um front tridimensional mais perigoso.
Muitas invasões urbanas — desde a Idade Média até a modernidade— começaram com um avanço rápido, apenas para depois emperrar em distritos que favorecem os defensores. Mosul é um exemplo clássico; outro é o cerco do ano passado a Mariupol. Alguns milhares de soldados ucranianos mantiveram a cidade por quase três meses contra uma força russa avançada de cinco a oito vezes maior.
“Eles aproveitaram os prédios industriais pesadamente blindados da cidade e sua rede subterrânea muito eficazmente”, escreveu John W. Spencer, presidente de estudos de guerra urbana do Instituto de Guerra Moderna, que faz parte da Academia Militar dos EUA, em um relatório sobre o primeiro ano da guerra da Ucrânia.
Cidades também podem ser maleáveis. Israel destruiu centenas de prédios em Gaza através de ataques aéreos. O Hamas, muito antes de seu ataque a Israel neste mês, construiu centenas de milhas de túneis sob a cidade de Gaza que podem ser usados para se movimentar entre posições de ataque, esconder reféns e proteger suprimentos.
Damien Cave/The New York Times
