Às vésperas de encerrar o primeiro ano de seu terceiro mandato no Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda não formalizou indicações para 14 vagas em órgãos do sistema judicial e diretorias de autarquias e agências. Os postos, que dependem da chancela do Executivo, estão vagos ou ocupados por interinos, alguns desde janeiro. Na avaliação de especialistas, a demora do petista expõe a centralização de decisões, em comparação a seus governos anteriores, e cria entraves à atuação de instituições como o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR).
Além destes órgãos, faltam indicações de Lula para chefiar a Defensoria Pública da União (DPU); para quatro cadeiras no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade); para duas vagas na Autoridade Nacional de Segurança Nuclear (ANSN); e para completar diretorias e colegiados de três agências reguladoras: Agência Nacional de Mineração (ANM), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). O presidente também precisa formalizar uma vaga no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) indicada pela Câmara.
No Supremo, a composição reduzida desde a aposentadoria de Rosa Weber, em outubro, já provocou ao menos seis empates em julgamentos travados na Primeira Turma no último mês. A turma conta atualmente com quatro ministros: Cristiano Zanin, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Alexandre de Moraes.
Nos casos levantados — quatro reclamações na seara trabalhista e dois recursos criminais, envolvendo réus por tráfico de drogas e porte ilegal de arma —, Zanin e Cármen acompanharam os respectivos votos, enquanto Fux e Moraes divergiram dos colegas. Todos os processos foram suspensos, conforme as atas de julgamento publicadas pela Corte, “em razão do empate verificado”.
— Esta situação aumenta o tempo de tramitação dos processos e a insegurança jurídica. Há ministros, por exemplo, que entendem que o empate deveria beneficiar o réu nos habeas corpus. O tempo levado para a indicação tem que ser razoável, e não discricionário — avalia o advogado constitucionalista Gustavo Binenbojm, professor da Universidade Estadual do Rio (Uerj).
Em 2021, sob a presidência de Fux, o Supremo estabeleceu que casos empatados por quórum incompleto aguardariam a nomeação de um novo ministro, para só então serem concluídos.
Para Binenbojm, um aprimoramento para evitar problemas causados pela demora no preenchimento de vagas do Supremo seria delimitar, através de emenda constitucional, um intervalo para as indicações — sob pena de transferência desta prerrogativa para outro poder, caso o chefe do Executivo deixasse expirar o prazo.
Lula já preencheu uma vaga na Corte neste ano: ele levou 51 dias para indicar seu ex-advogado Cristiano Zanin, em junho, ao posto de Ricardo Lewandowski. O presidente tem sinalizado incertezas sobre a substituição de Rosa Weber, cuja cadeira está desocupada há 45 dias. No fim de outubro, ele relatou a jornalistas ter dúvidas sobre indicar o atual ministro da Justiça, Flávio Dino, tido como favorito. Com apoio de alas do PT, o advogado-geral da União, Jorge Messias, também é cotado.
Favorito no MPF
Interlocutores que trabalham por indicações ao Supremo e também à PGR avaliam que há “fatos novos” no atual governo contribuindo para a hesitação de Lula. Em mandatos anteriores, diferentemente da centralização atual, o petista costumava colher opiniões de conselheiros, como o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos e o advogado e ex-deputado Sigmaringa Seixas, que aliavam bagagem no Judiciário à confiança do próprio Lula. Ambos já faleceram.
No caso da PGR, pesam também o desgaste entre Lula e o Ministério Público após a Lava-Jato e a tentativa de balancear preferências de diferentes atores. O presidente tem indicado escolher o vice-procurador-geral eleitoral Paulo Gonet, favorito dos ministros do STF Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, o que gera ressalvas de aliados no PT e no Congresso.
Enquanto isso, Elizeta Ramos se mantém como interina há quase dois meses, desde o fim da gestão de Augusto Aras. Em mandatos anteriores, quando escolheu o mais votado na lista tríplice elaborada pela Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR), Lula levou no máximo 23 dias para fazer as indicações.
O presidente da ANPR, Ubiratan Cazetta, elogia a atuação de Elizeta, mas considera sua situação “longe do ideal”, por induzir a uma “autocontenção”. Segundo o representante da categoria, há “dificuldade de tomada de decisões” de maior alcance, já que há possibilidade de mudanças de interpretações. Como exemplo, Cazetta lembra que a ex-PGR Raquel Dodge pediu arquivamento do inquérito das fake news, aberto pelo Supremo, na reta final de seu mandato, em 2019. Aras, ao assumir, mudou o entendimento e se manifestou a favor da continuidade.
— Em delações premiadas, cabe à PGR pedir o aprofundamento de linhas de investigação e avaliar a qualidade das informações. Também é papel avaliar quais casos tramitam ou não Supremo. E para que isso seja feito, é importante haver certa previsibilidade, para garantir que determinada forma de atuação será perene — afirma Cazetta.
Outro impacto aparece no Cade, que está com quatro vagas em aberto, de um total de sete conselheiros, em seu tribunal administrativo. Os postos vêm se abrindo desde setembro, com fins de mandatos dos integrantes. Sem o quórum mínimo exigido, o presidente do colegiado, Alexandre Cordeiro Macedo, cancelou as três sessões agendadas para novembro e dezembro deste ano.
O Cade fiscaliza concentrações de mercado decorrentes de processos de fusões e aquisições de empresas, e a conclusão desses processos só ocorre quando o tribunal está em funcionamento. Em uma das últimas sessões, em outubro, por exemplo, o tribunal do Cade decidiu que supervisionará a atuação da 123 Milhas, acusada de calote a consumidores de passagens aéreas, na aquisição de outra empresa do setor.
Há também processo em aberto para a investigação de suspeitas de cartel, reveladas pela Lava-Jato, envolvendo empreiteiras como OAS, Odebrecht e Coesa que concorreram no PAC Favelas, no segundo governo Lula.
— O fim do ano é um período em que há uma preocupação das empresas em concluírem transações de fusões e aquisições, e isso pode ser impactado (pela demora nas escolhas) — afirma o advogado Pedro Paulo Salles Cristofaro, professor de direito econômico da PUC-RJ que atua no Cade.
Escolhido para o cade
Lula só resolveu o impasse na sexta-feira, quando acenou a aliados que deixará de fora um nome mais próximo ao ministro Flávio Dino e que contemplará indicações ligadas ao Senado e ao Ministério da Fazenda. Um dos cotados é José Levi do Amaral, ex-ministro da AGU no governo Bolsonaro e secretário-geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob a gestão de Moraes. Outros cotados são Diogo Thomson, superintendente-adjunto do Cade, apoiado pelo ministro Vinicius de Carvalho (Controladoria-Geral da União); Camila Pires Alves, ex-economista-chefe do Cade, indicada pelo Ministério da Fazenda; e Carlos Jaques, consultor do Senado e preferido de senadores.
O Planalto também apresentou dificuldades de articulação para preencher vagas abertas desde janeiro, quando Lula retirou uma série de indicações da gestão anterior. No último mês, o Senado rejeitou a indicação de Igor Roque para assumir a Defensoria Pública da União. Roque, segundo colocado na lista tríplice, foi apontado por Lula no lugar de Daniel Macedo, escolhido por Bolsonaro. Agora, há um vácuo legal sobre a possibilidade de fazer uma nova lista. A DPU, responsável pela defesa de parte dos réus pelos atos de 8 de janeiro, segue chefiada interinamente pelo vice-defensor Fernando Mauro, também nomeado no governo do ex-presidente.
Na mesma leva da DPU, Lula cancelou em janeiro indicações de Bolsonaro às duas primeiras vagas na diretoria da Autoridade Nacional de Segurança Nuclear, autarquia criada no ano passado. Como não enviou ao Congresso novas indicações, a agência segue acéfala.
Bernardo Mello e Sérgio Roxo/O Globo — Rio e Brasília
Vacâncias em série
Governo Lula mantém, desde janeiro, indicações em aberto para órgãos judiciais, diretorias e colegiados
- Procuradoria-Geral da República (PGR): Procurador-geral. O cargo deixado por Augusto Aras é exercido interinamente, desde setembro, por Elizeta Ramos, que não deve ser efetivada. Representantes do Ministério Público avaliam que a situação pode atrapalhar, por exemplo, o andamento de investigações envolvendo delações premiadas no STF, devido à falta de clareza sobre qual linha será adotada pela PGR no longo prazo.
- Supremo Tribunal Federal (STF): Ministro. Com quórum incompleto desde a aposentadoria da ministra Rosa Weber, em outubro, a Primeira Turma já registrou seis empates em julgamentos de recursos criminais e ações trabalhistas. A posição atual da Corte é suspender os julgamentos até a chegada do novo ministro, o que especialistas consideram ruim, por estender indefinidamente os casos.
- Defensoria Pública da União (DPU): Defensor público-geral. Lula indicou Igor Roque, segundo colocado na lista tríplice, mas o Senado rejeitou seu nome há um mês. Planalto e DPU avaliam se há necessidade de fazer uma nova lista. Com isso, Fernando Mauro, indicado no governo Bolsonaro, segue como defensor-geral interino desde janeiro. O órgão é responsável por defender parte dos réus pelo 8 de Janeiro.
- Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade): Conselheiros do tribunal administrativo (4 vagas). Responsável por supervisionar operações e aquisições de empresas com alta movimentação de recursos, órgão teve de cancelar suas três últimas reuniões deste ano e suspender andamento de processos, por falta de quórum.
- Conselho Nacional de Justiça (CNJ): Conselheiro sob indicação da Câmara. Deputados aprovaram em agosto a indicação de Daiane Nogueira de Lira, chefe de gabinete do ministro do STF Dias Toffoli, mas Lula ainda não fez a nomeação. Os processos do gabinete incluem o de afastamento do juiz Marcelo Bretas.
- Autoridade Nacional de Segurança Nuclear (ANSN): Presidente e diretor (2 vagas). Criada em 2022, autarquia teve os primeiros integrantes de sua diretoria apontados por Bolsonaro, mas Lula retirou as indicações em janeiro antes que fossem votadas pelo Senado. Na prática, o órgão segue acéfalo.
- Agência Nacional de Mineração (ANM): Diretor. Lula retirou indicação de Bolsonaro para reconduzir Ronaldo Jorge da Silva Lima à diretoria. O superintendente Caio Mario Trivelatto Seabra Filho ficou como interino. Agência tem atribuição de fiscalizar barragens de mineradoras.
- Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa): Diretor. Alex Machado renunciou ao posto em agosto para assumir a Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa). Gerente-geral Marcelo Moreira assumiu interinamente. Órgão é responsável, entre outras funções, pela aprovação de medicamentos e vacinas.
- Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel): Conselheiro. Mandato de Moisés Moreira Viana expirou no início de novembro. O superintendente Nilo Pasquali ocupa o posto de conselheiro interino. Agência atua, por exemplo, na liberação de concessões para radiodifusão e na operação do 5G.
- Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD): Conselheiro. Mandato de Nairane Farias Rabelo Leitão expirou em novembro. O suplente da ex-conselheira é o gerente Davi Teófilo. Órgão, que passou à alçada do Ministério da Justiça neste ano, fiscaliza a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
