Nem bolsonarista nem petista-lulista. Apenas tentando ser jornalista. Mas, como tal, sofrendo os efeitos por não ser bolsonarista, numa cidade onde a extrema-direita saiu do armário com uma voracidade de dar medo, o que fez a fita rebobinar, não parando apenas nos tenebrosos tempos da “marvada” UDN golpista de 1964, no Brasil, mas indo aos recônditos do mais puro nazifascismo de Hitler e Mussolini. Passei quatro anos me escondendo de amigos queridos, não apenas atrás de gôndolas de supermercados ou evitando locais públicos por eles frequentados, principalmente bares e restaurantes. Até deixando de ouvir algumas emissoras de rádio locais, pelo exacerbado ‘direitismo’, ou como escrevi aqui num texto recente, trocando de raia em meus treinos de natação, mas principalmente, bloqueando muitos deles nas redes sociais, pela intolerância e impossibilidade de diálogo. E, acredite quem quiser, deixando escapar a última chance de “virar fazendeiro” por não conseguir levar adiante o romance com uma ruralista apaixonada na região de Bonito; com outra, médica, de São Paulo, com uma fazenda “dentro” de Dourados.
Assim passei esses últimos seis anos – o da pré-campanha presidencial de 2018, os quatro de governo Bolsonaro e, o mais tenso deles, este último, em que o legado do bolsonarismo produziu seus mais catastróficos efeitos. Além das consequências institucionais de seu desgoverno, o clima de beligerância estabelecido a partir da tentativa de golpe incentivada pelo ex-presidente e culminada no fatídico 8 de janeiro deste ano com a guerra da Praça dos Três Poderes e a – por muito pouco – não consumada destruição dos palácios da presidência da República, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal.
Ainda no rescaldo disso tudo, mais que necessário, embora com profundo pesar, refletirmos sobre o legado de Jair Messias Bolsonaro. Um herege a começar pelo nome, pois que ao mesmo tempo em que se apresentava como o mito, o “messias”, cujo lema era “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” incitou seus seguidores a pegar em armas para combater a violência, a “atirar para matar”, não apenas supostos bandidos como os ditos “invasores” de terras. Retórica presidencial frontalmente oposta à pregada nos ensinamentos de compaixão e respeito preconizados pelo verdadeiro Messias. E o Brasil outrora, conhecido por sua capacidade de confraternização e solidariedade, enfrentando agora um Natal e um fim de ano marcados por um profundo cisma na sociedade, e, mais lamentável, na confraternização entre amigos e familiares.
A constante exibição pública de Bolsonaro com armas de grosso calibre em vez de promover a segurança foi também uma afronta ao princípio do Estado democrático e de direito, já que quem atira para matar não tem condições de obedecer ao devido processo legal. O mesmo estado de direito ferido por outros abusos de poder, como as afrontosas, ‘motociatas’ bancadas pelo dinheiro público, puxadas pelo presidente, mais um item do catecismo bolsonarista de desobediência às instituições e de incitação à anarquia e à desordem.
A postura negacionista diante da pandemia de COVID-19 contribuiu para que o Brasil enfrentasse consequências ainda mais devastadoras. A desobediência à ciência, em detrimento do bem-estar da população, revelou uma falta de comprometimento com a segurança e saúde dos cidadãos. O presidente, ao invés de governar, a partir de seu gabinete, preferiu passar grande parte de seu mandato envolvido em polêmicas e bravatas, sempre com hora e local marcados, ao sair do Palácio da Alvorada, no famigerado “cercadinho”, onde tinha o prazer de afrontar jornalistas que não fossem os de sua rede de apoio, tudo para viralizar nas outras redes, as sociais, onde patrocinou um dos maiores espetáculos de fake-news do planeta.
O presidente que batia no peito e arrotava honestidade, ignorando o festival de ostentação de sua família, fruto das famosas “rachadinhas”, sob acusação de envolvimento com milícias do Rio de Janeiro, Bolsonaro saiu do poder para entrar na história como um dos mais pusilânimes governantes de seu tempo, pior, sob o rasteirismo de apropriação indébita de presentes dados à nação por chefes de estado, reis e príncipes, inclusive, manchando a reputação do país mundo afora. Ou seja, além de tirar a paz dos brasileiros, até a jóia da coroa ele roubou.
Infelizmente, neste Natal e fim de ano, embora as famílias possam estar fisicamente juntas, será num clima de inédito constrangimento gerado pelo discurso de ódio que marcou estes últimos tempos. O desafio agora é buscar a reconciliação e a reconstrução de uma sociedade mais unida, respeitosa e comprometida com valores humanitários, em contraste com o legado deixado por um governo que, infelizmente, frustrou as esperanças de muitos brasileiros. Que neste Natal, possamos encontrar espaço para reflexão, compaixão e a busca por um futuro mais inclusivo e justo.