O aumento da desaprovação ao presidente Lula apontado em pesquisa Genial/Quaest, divulgada ontem, acendeu um alerta entre os ministros do governo, que veem necessidade de o petista acenar mais ao centro, principalmente em pautas de costume, como aborto, invasão de terras e legalização das drogas. O levantamento mostra que as declarações críticas de Lula sobre Israel derrubaram a avaliação do petista a seu nível mais baixo neste terceiro mandato, sobretudo entre os evangélicos, grupo majoritariamente alinhado ao bolsonarismo. A desaprovação ao presidente passou de 43% em dezembro para 46% e a aprovação recuou de 54% para 51%; entre o segmento religioso, os que desaprovam saltaram de 56% para 62% e os que aprovam despencaram de 41% para 35%.
Já a avaliação negativa do governo subiu cinco pontos percentuais (34%) e encostou na positiva (35%). Como a margem de erro da pesquisa é de 2,2 pontos percentuais, há um empate técnico. A distância entre os grupos que aprovam e desaprovam a gestão petista, que era de sete pontos percentuais na pesquisa anterior, baixou para apenas um. Outros 28% avaliaram o governo Lula como regular.
Neutralizador
Integrantes do primeiro escalão do governo ligados a partidos aliados fizeram chegar ao presidente uma sugestão para que ele passe a dizer em discursos, por exemplo, ser contra a descriminalização do aborto. Eles acreditam que declarações como essa, “de 30 segundos”, podem ser usadas nas redes sociais como forma de neutralizar discursos de bolsonaristas.
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Durante a campanha de 2022, Lula chegou a afirmar algumas vezes ser pessoalmente contra o aborto, embora defenda tratar o tema como questão de saúde pública. A sugestão é que ele volte a repetir isso e, assim, evite desgastes como o da semana passada, quando o governo foi acusado pela oposição de liberar o aborto, devido a uma nota técnica do Ministério da Saúde que derrubava a fixação de prazo para as hipóteses de interrupção legal da gravidez. Diante da repercussão negativa, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, suspendeu a medida.
A avaliação no Palácio do Planalto é que a pesquisa Genial/Quaest reforçou o diagnóstico de que o governo tem dificuldades para se conectar com públicos como evangélicos, frustrando a tese defendida até agora pelo próprio Lula de que eles seriam conquistado por meio de um bom desempenho da economia. A desaprovação no segmento religioso, que responde por cerca de 30% do eleitorado brasileiro, foi a que mais subiu — seis pontos percentuais — a despeito de acenos como o aval para a Câmara dos Deputados aprovar Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que amplia a imunidade tributária para igrejas.
A piora acontece após Lula comparar as ações de Israel na Faixa de Gaza ao Holocausto. O tema costuma ser sensível entre evangélicos, que têm identificação com o povo israelita. A fala do presidente foi considerada exagerada por 60% dos entrevistados e 69% dos evangélicos.
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Um aliado lembra que Lula não recebeu e não se reuniu com nenhum pastor até o momento e que isso pode ter tido influência na queda da sua aprovação entre o grupo (também de seis pontos percentuais). Na pesquisa anterior, em dezembro, a distância entre os que desaprovam e os que aprovam o petista era de 15 pontos percentuais, margem que agora subiu para 27 pontos.
A senadora Eliziane Gama (PSD-MA), que tem trabalhado para tentar aproximar o presidente do segmento religioso, pediu uma reunião com o petista para tratar desse tema. A intenção da parlamentar é promover um encontro de Lula com pastores ligados à esquerda. A avaliação é que a agenda poderia ter mais efeito até do que mudanças legislativas. Uma pessoa próxima lembra que o PT nunca aceitou cobrar impostos das igrejas, por exemplo, e que isso deveria ser mais lembrado.
Outro tema em que aliados defendem um posicionamento mais claro de Lula é em relação às invasões promovidas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A falta de uma condenação veemente por parte do presidente incomoda integrantes do agronegócio.
Uma das sugestões levadas ao petista para melhorar sua imagem com o setor é avançar em um programa de reforma agrária aliado a um acordo com os sem-terra para não haver mais invasões.
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Para um integrante do alto escalão do governo, Lula precisa deixar claro aos líderes do MST que cumprirá a promessa de retomar os assentamentos, mas também dizer que, se houver invasão, vai retirá-los, em um aceno aos produtores rurais.
O ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, disse que encaminhará a Lula uma relação de terras públicas devolutas que possam ser destinada a assentamentos. A lista foi um pedido do próprio presidente.
— Será apresentado mais à frente — disse o ministro.
A maior preocupação
A percepção sobre a economia também influenciou negativamente a avaliação do governo. Entre os entrevistados, 38% responderam que o setor piorou nos últimos doze meses, um avanço de sete pontos percentuais. Houve uma queda de oito pontos entre os que dizem ter havido uma melhora no período (26%).
Segundo a pesquisa, entre os que votaram em branco, anularam o voto ou não compareceram às urnas, 38% enxergam piora na situação econômica, com alta de seis pontos percentuais sobre a pesquisa anterior. O aumento no preço dos alimentos — percebido por 73% dos ouvidos — é a principal explicação deste cenário.
Os dados são os que mais preocupam os auxiliares de Lula, já que o próprio presidente defendia internamente a tese de que a melhora da economia faria com os índices de avaliação positiva do governo aumentassem. A economia é enxergada no Planalto como um caminho, inclusive, para romper a resistência dos evangélicos. Por esse raciocínio, conforme a sensação de bem-estar geral da população avançasse, essa parcela da população poderia enxergar o governo de forma mais positiva.
O ministro da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, tentou minimizar o resultado da pesquisa no setor econômico:
— Há uma percepção sobre aumento de preços nos alimentos devido à estiagem em algumas regiões e excesso de chuvas em outras. Já havíamos detectado esse movimento e estamos agindo para reduzirmos o reflexo na capacidade de consumo.
A pesquisa da Quaest foi contratada pelo banco Genial e entrevistou pessoalmente dois mil brasileiros de 16 anos ou mais em todos os estados do país, entre 25 e 27 de fevereiro. O nível de confiança é de 95%.
O Globo
