De meados de 2016 a 2022, nos governos Temer e Bolsonaro, o Brasil viveu um raro período em sua história de encolhimento do Estado empresário, com a retomada da privatização, ainda que em marcha lenta, a venda de diversas subsidiárias de estatais e a realização de concessões em série de portos, aeroportos, rodovias e ferrovias.
Em pouco mais de seis anos, o número de estatais, que havia voltado a subir nos primeiros mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff, caiu quase pela metade, de 228 para 122, segundo dados oficiais. Com a aprovação da Lei das Estatais, em 2016, que restringiu a nomeação de políticos, dirigentes partidários e sindicalistas para o comando e o conselho de administração das empresas e bancos públicos, houve também uma certa melhoria na gestão e na governança, apesar dos malfeitos e das pressões de Brasília que continuaram a pipocar aqui e ali.
Em outra iniciativa de judicialização das medidas adotadas nos últimos anos para conter o avanço do Estado empresário, Lula entrou com uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) no STF, por meio da AGU (Advocacia-Geral da União), com o objetivo de retomar o comando da Eletrobras, privatizada em 2022. Sua alegação é de que o modelo de corporation adotado na privatização, que limitou o direito de voto dos acionistas a no máximo 10% do capital, independentemente das participações acionárias de cada um, é lesivo à União, que ainda detém cerca de 42% das ações.
Em dezembro de 2023, o ministro Kassio Nunes Marques, relator da ADI no STF, determinou que a controvérsia seja resolvida por meio de acordo entre as partes e concedeu um prazo de 90 dias para que isso ocorresse. No início de abril, no entanto, como as partes ainda não haviam chegado a um acerto, ele prorrogou o prazo por mais 90 dias. A questão é que os interesses parecem inconciliáveis, já que o governo quer reassumir o comando, passando por cima da decisão do Congresso que estabeleceu as regras de privatização da companhia e dos acionistas privados que hoje respondem pela sua gestão.
Lula também tentou alterar o novo marco do saneamento, aprovado em 2020, que tornou mais atraentes para a iniciativa privada os investimentos no setor e estabeleceu metas de universalização do serviço até 2033. Seu plano, que visava liberar as empresas estaduais de saneamento para realizar a renovação de contratos sem licitação, só não foi adiante porque o Congresso resistiu à mudança, obrigando o governo a buscar uma saída negociada, sem alterar a essência do dispositivo aprovado pelo Legislativo, de ampliar a concorrência na área, para melhorar o atendimento à população.
Mantega na Vale
Hoje, nem empresas privadas, como a Vale, privatizada em 1997, estão a salvo do apetite estatista de Lula. No começo do ano, ele tentou aproveitar a troca de comando na mineradora para emplacar o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega como seu presidente. E só não conseguiu porque, apesar de a Previ (fundo de previdência dos funcionários do Banco do Brasil) ser o maior acionista da Vale, com uma participação de 8,7% no capital e dois representantes no conselho de administração, seus votos não são suficientes para impor aos demais integrantes do órgão a vontade de Lula, que tem laços antigos com os dirigentes da entidade.
Provavelmente, se o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) não tivesse vendido na gestão de Gustavo Montezano a fatia de 6,1% que detinha na Vale, reduzindo o poder de pressão do governo sobre o conselho, Mantega a esta altura estaria ocupando a sala do presidente da companhia. Foi a venda das ações da Vale pelo BNDES, hoje criticada pelo presidente da instituição, Aloizio Mercadante, que acabou por blindar a empresa contra incursões indesejadas de Brasília.
“A Vale não pode pensar que ela é dona do Brasil, não pode pensar que ela pode mais do que o Brasil”, afirmou Lula, depois de tomar conhecimento de que o conselho não aprovaria o nome de Mantega. “As empresas brasileiras precisam estar de acordo com aquilo que é o pensamento de desenvolvimento do governo brasileiro. É isso que nós queremos”, acrescentou, sem constrangimento, como se os empresários do País não tivessem a liberdade de definir o destino dos negócios que controlam, dentro das regras de mercado.
José Fucs/Portal Terra