Pouco presente no primeiro turno, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva entrou em campo para turbinar as campanhas eleitorais de aliados para o segundo turno. Em duas semanas, visitou quatro capitais com candidatos competitivos: Fortaleza, Belém, Natal e São Paulo. Além disso, também compareceu a comícios em cidades com importante participação do PT: Camaçari (BA), Diadema (SP) e Mauá (SP).
O engajamento de Lula tem explicação: seu partido saiu-se muito mal em 6 de outubro — houve um avanço expressivo do PSD e do PL. A justificativa é a de que não houve espaço na agenda para uma atuação mais ativa, especialmente por conta de viagens internacionais nas semanas anteriores ao primeiro turno. Antes de a corrida eleitoral ter início, acreditava-se que o presidente da República entraria de cabeça para evitar avanços da direita e do bolsonarismo. Ele mesmo deu indicações de que marcaria presença, mas não foi o que aconteceu.
Aliados
Lula admitiu que evitou se engajar no primeiro turno para não se indispor com aliados — especialmente os partidos do centrão, como PSD, PP, MDB e União, que compõem a base governista. Além disso, não quis que caísse no seu colo as campanhas derrotadas.
O presidente tem aproveitado compromissos oficiais — como lançamento de unidades do Minha Casa Minha Vida (MCMV) e anúncios de investimentos — para comparecer a comícios. A primeira capital visitada por Lula para o segundo turno foi Fortaleza, onde há uma acirrada disputa entre Evandro Leitão (PT) e o bolsonarista André Fernandes (PL). Esteve em 11 de outubro para entregar unidades do MCMV. Horas depois, participou de comício ao lado do candidato petista na Praça do Ferreira. E do palanque pediu votos.
“Só pelo fato de ter sido indicado pelo Camilo Santana (ministro da Educação), pelo governador Elmano (de Freitas) e até pelo (senador) Cid Gomes (PDTCE), posso dizer a vocês que não tem ninguém melhor para governar Fortaleza”, anunciou. Também fez ataques a André Fernandes, a quem chamou de “negacionista”. Houve referência até ao vídeo do deputado no qual ensina a depilar partes íntimas.
“Esta cidade não pode ser governada por um negacionista. A única virtude dele é colocar na internet as coisas que ele anda fazendo de depilação”, afirmou o presidente. Segundo pesquisa Datafolha divulgada na quinta-feira, Leitão e Fernandes estão tecnicamente empatados, com o bolsonarista numericamente à frente: 45% contra 43% de Evandro Leitão.
Nos dois dias seguintes, Lula esteve em Belém para participar do Círio de Nazaré. Ele apoia Igor Normando (MDB), afilhado político do governador Helder Barbalho, contra o bolsonarista delegado Éder Mauro (PL). Embora não tenha declarado apoio publicamente ao candidato, participou da feste religiosa ao lado do governador — principal cabo eleitoral para Normando.
O emedebista está à frente nas pesquisas. De acordo com o levantamento Real Time Big Data, divulgado na segunda-feira passada, Normando tem 60% das intenções de voto contra 35% de Mauro.
Na semana passada, Lula começou seus compromissos eleitorais em Natal, na quarta-feira. Oficialmente, ele anunciou um pacote de investimentos federais na capital potiguar. Mas, na sequência, estava no palanque de Natália Bonavides (PT). Destacou a importância de ter uma mulher na Prefeitura e fez um apelo para que o PSD local abrace a campanha da petista.
“Às vezes a gente erra, às vezes a gente acerta. E quem ganha as eleições tem que ter generosidade. Não permitam que a companheira Natália perca as eleições porque vocês deixaram de orientar os jovens a votar nessa jovem aqui”, apelou Lula. PT e PSD se desentenderam por causa da disputa pela Prefeitura de São Gonçalo do Amarante.
Pesquisa Quaest divulgada na segunda-feira passada mostra que Paulinho Freire (União), apoiado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, lidera a disputa com 45%. Bonavides, por sua vez, tem 39%.
Falta de luz
Em São Paulo, Lula e Guilherme Boulos (PSol) tinham duas caminhadas, ontem, na Zona Sul e Zona Leste de São Paulo, mas a chuva impediu os eventos. A saída foi fazer uma live no YouTube, na qual o apagão — que ainda afeta cerca de 50 mil casas — foi o tema principal.
“O Rio Grande do Sul foi referência de atuação do governo em ajudar as pessoas que foram vítimas de problemas graves da natureza. Aqui não foi natureza. Choveu muito, mas se as árvores tivessem sido cortadas, as empresas teriam feito seu trabalho, fiscalizado. Não teria sido assim”, disse, apontando a zeladoria da cidade, função da Prefeitura.
Mas houve espaço para crítica à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). “Toda essa gente [das autarquias da União] foi indicada pelo governo passado, é importante saber. Agora vou começar a mudar e colocar gente comprometida com o povo”, afirmou. A Aneel vem sendo apontada pelo governo como responsável por não fiscalizar a concessão da Enel, que fornece o serviço em São Paulo.
Lula, porém, sabe que Boulos não encontra apoio também entre os petistas. E cobrou deles maior engajamento. “Dia 27 de outubro (data do segundo turno das eleições) é o dia do meu aniversário, dia que Dona Linu disse que nasci. Dia que peço que vocês que votaram em mim, no 13, votem no 50 para eleger o Boulos prefeito. Se tem dúvida, tira da cabeça porque conheço o Boulos. Sei da luta dele, do compromisso, do caráter”, exortou.
Debate de mútuas acusações
No debate agressivo de ontem, entre Ricardo Nunes e Guilherme Boulos, os dois candidatos à Prefeitura de São Paulo tentaram colar um no outro pechas negativas na tentativa de conquistar o eleitor. Enquanto o prefeito e candidato à reeleição procurou associar o adversário ao radicalismo e à inexperiência, o postulante do PSol quis imputar ao oponente a imagem de que é ligado ao crime e à mentira. Episódios como tiro em saída de boate, batida de carro, esquema de rachadinha e máfia das creches foram citados diversas vezes — e ensejaram vários direitos de resposta.
As provocações no confronto promovido conjuntamente pela Rede Record e pelo jornal O Estado de S.Paulo começaram com a pergunta de Nunes sobre o que Boulos pensava da Polícia Militar, acusando-o de querer a extinção da corporação. O candidato do PSol negou e rebateu afirmando que defende uma PM capacitada, algo que contrasta com a afirmação feita pelo vice do prefeito, coronel Mello Araújo — que certa vez disse que o tratamento para quem mora na periferia é diferente daquele dado a quem mora em bairro nobre.
Boulos se esforçou para associar a imagem de Nunes ao crime organizado e várias vezes lembrou a investigação da máfia das creches. Da mesma forma, tentou colocar Nunes na defensiva ao desafiá-lo a abrir o sigilo bancário, pois, supostamente, seria o elo que o ligaria com o dinheiro sujo do Primeiro Comando da Capital (PCC).
A resposta do prefeito foi associar o adversário ao radicalismo e ao desrespeito à propriedade privada. Insistiu que Boulos, quando era dirigente do Movimento dos Trabalhadores Sem- Teto (MTST), invadiu e ajudou a depredar a sede da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp). O candidato do PSol negou e acusou o oponente de fazer uma campanha baseada em mentiras para assustar o eleitorado e reforçar-lhe a imagem de intransigente
Em alguns momentos, o debate derivou para temas que nada tinham a ver com a Prefeitura. Tal como quando Boulos foi indagado por um dos jornalistas sobre “saidinhas dos presos”. A percepção, a esta altura, era de que não haveria qualquer proposta nova por parte dos candidatos. Sobre o apagão que há mais de uma semana assola a cidade, o assunto tornou-se periférico e a marca foi o jogo de empurra entre Nunes e Boulos sobre de quem é a culpa.
O tema propiciou que se falasse de privatização, desta vez do serviço de fornecimento de água e esgoto. Boulos disse que seria uma “nova Enel”; Nunes afirmou que o adversário, que não tem histórico na administração pública, não sabia do que falava. Não houve nenhuma novidade sobre saúde, geração de emprego, segurança pública, transporte, educação ou combate à violência.
Ao final, Boulos tentou uma cartada dizendo que, amanhã, apresentará algo capaz de virar o jogo nesta reta final. Não deu indícios do que se trata, mas não fez com que Nunes se abalasse com a ameaça.
Mayara Souto, Victor Correia e Eduarda Esposito/Correio Braziliense