Numa analogia com uma das mais belas canções de Caetano Veloso – “Oração ao Tempo” –, a derrota do prefeito Alan Guedes nas eleições do último dia 6, além dos méritos do prefeito eleito Marçal Filho, por seus atributos pessoais, pode ser vista como um desencontro com o tempo, por falta de mais “orações”. O que não deixa de ser uma ironia, por se tratar de um político cristão que, inclusive, interrompeu a campanha eleitoral para participar de alguns retiros espirituais com o grupo “Legendários”.
Um pecadilho de Alan Guedes, analisando-se friamente a performance do administrador que preferiu, sem alardes, primeiro arrumar a casa arrombada que recebeu de Délia Razuk. Só depois de restaurar a credibilidade do município junto aos credores do estado e do país ele começaria, de fato, a governar, mirando o milagre da plena restauração do sucateado sistema de saúde e iniciando a “fazeção” de obras, mas quase tudo só no último ano. Um pecadilho, talvez pela certeza da reeleição, que pode custar caro a seu projeto político, cuja sobrevida dependerá do que vier a fazer, ou não, o sucessor.
Por mais irônico, ainda, que possa parecer uma situação que remete aos primeiros quatro conturbados anos da administração do prefeito José Elias Moreira, que contou com a prorrogação de seu mandato por dois anos — tempo adicional que o permitiu se tornar o melhor prefeito da cidade até hoje. Nos primeiros anos de sua gestão, Zé Elias “arregaçou” Dourados com obras estruturantes, que não dão votos, pois não são visíveis, como o esgotamento sanitário e as galerias de águas pluviais. Além disso, implementou o audacioso projeto de urbanização de Jaime Lerner, uma intervenção urbana ousada, mas polêmica, que chegou a mexer com os brios da classe política conservadora local. Se tivesse contado apenas com o mandato inicial de quatro anos, Zé Elias talvez não tivesse conseguido concretizar todas as grandes obras lançadas no início, incluindo a conclusão do projeto CURA (Comunidade Urbana de Recuperação Acelerada), que deu um novo impulso ao desenvolvimento de Dourados.
A música de Caetano Veloso parece moldar essa relação entre o tempo e a possibilidade de transformação. “És um senhor tão bonito… / Tempo, tempo, tempo, tempo / Vou te fazer um pedido” — o tempo se torna uma entidade de quem Zé Elias, ao receber mais dois anos, ganha o “prazer legítimo” e o “movimento preciso” para concluir suas obras. Ao “entrar em acordo com o tempo”, ele pôde deixar um legado notável, ampliando e estruturando a cidade de uma forma que fez sua administração ser lembrada por gerações. Em seus seis anos, o tempo foi um verdadeiro “compositor de destinos”, ao conceder a ele a chance de realizar grandes obras e preparar Dourados para o futuro.
Por outro lado, Alan Guedes, sem fazer sua “oração ao tempo”, perdeu essa aliança. Sem o tempo necessário, não conseguiu entregar grandes obras estruturantes; ainda que tenha iniciado o importante projeto do FONPLATA, com um financiamento de U$ 40 milhões, as obras começaram tardiamente e os louros ficarão com Marçal Filho. Na música, o tempo é o “tambor de todos os ritmos”, e a falta desse “ritmo” impediu que Alan pudesse alcançar o mesmo brilho. “Peço-te o prazer legítimo / E o movimento preciso / Quando o tempo for propício” — para Zé Elias, o tempo foi propício, mas para Alan, o tempo não se mostrou tão generoso.
A música reflete também a ideia de sair “para fora do teu círculo”. Ao fim de seu mandato prorrogado, Zé Elias pôde deixar um legado de obras concluídas e transformações estruturais visíveis, o que lhe garantiu a condição de primeiro candidato a governador do estado ali recém-criado. Alan, ao contrário, talvez seja lembrado mais pelo que não conseguiu realizar, pois, sem o tempo necessário para finalizar suas grandes ambições, como o FONPLATA, sua gestão termina sem que ele tenha construído uma imagem de gestor transformador. Ao final, a poesia de Caetano Veloso mostra que, sem um “acordo com o tempo”, grandes realizações podem se perder. Que fique a lição a Marçal Filho.