Aparecido Andrade Portela, o Tenente Portela, é apontado como um dos financiadores do golpe de Estado junto com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O primeiro suplente de senador de Tereza Cristina (PP) arrecadou dinheiro para ajudar no ataque contra a democracia e usava o termo “churrasco” para se referir ao golpe para impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A participação de Portela na tentativa de golpe aparece nas 884 páginas do relatório final da Polícia Federal, que indiciou Bolsonaro, o ex-ministro da Defesa, general Walter Braga Neto, o presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, e mais 34 pelos crimes de tentativa de golpe de estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Portela não foi indiciado, mas deve ser continuar sob investigação e pode ser indiciado por ter financiado em novo inquérito da Polícia Federal. A participação do militar, amigo de Bolsonaro desde os anos 70 quando serviu o Exército em Nioaque, foi revelada a partir da quebra do sigilo dos dados telemáticos do tenente-coronel Mauro Cid e de Bolsonaro.
“Os elementos de prova indicam que PORTELA atuou como um intermediário entre o governo do presidente JAIR BOLSONARO e financiadores das manifestações antidemocráticas residentes no estado do Mato Grosso do Sul. No final do ano, PORTELA era um frequentador assíduo do palácio do Alvorada, visitando o então presidente da República constantemente”, apontou a PF.
Somente em dezembro de 2022, último mês da gestão de Bolsonaro, o tenente esteve 13 vezes com Bolsonaro no Palácio do Planalto. Em outras ocasiões, o ex-presidente já apontava o amigo como seu “espião” em Mato Grosso do Sul.
Churrasco e “golpe”
Nas conversas entre Tenente Portela e Mauro Cid, a PF encontrou indícios de que o suplente de senador recolheu dinheiro para patrocinar o golpe de Estado, que acabou não ocorrendo graças aos comandantes do Exército e da Aeronáutica.
No dia 26 de dezembro de 2022, Portela cobra o ajudante de ordens de Bolsonaro sobre o “churrasco”, que não saia nunca. “O pessoal q colaborou c a carne , estão me cobrando se vai ser feito mesmo o churrasco”, disse Portela ao tenente coronel. “‘Pois estão colocando em dúvida, a minha solicitação”, explicou.
“A contextualização da mensagem com os demais elementos de prova indica que PORTELA utilizou o codinome ‘churrasco’ para se referenciar ao golpe de Estado. Nesse sentido, o investigado repassa a MAURO CID que, possivelmente pessoas que financiaram os atos antidemocráticos, com a ‘colaboração da carne’, estariam cobrando a consumação do ato de ruptura institucional pelo presidente JAIR BOLSONARO”, interpretou a Polícia Federal.
“É neste contexto que os diálogos identificados com o então ajudante de ordens e atual colaborador MAURO CID ganham relevância para a investigação. Considerando que o TENENTE PORTELA possui residência em Campo Grande/MS, onde é suplente de senador, a cobrança do mesmo a MAURO CID no dia 26/12/2022, apenas 02 dias após estar junto ao então presidente no Palácio do Alvorada, para que ‘ocorra um churrasco’ e que segundo ele, pessoas que teriam ‘contribuído com a carne’ o estariam cobrando, revela que ambos tinham objetivos em comum”, explicou a PF.
“Evidenciando o intento golpista dos diálogos, no dia 29/12/2022, TENENTE PORTELA volta a enviar mensagens para MAURO CID pelo aplicativo WhatsApp, questionando ‘Alguma esperança ainda. Ou podemos aceitar a derrota’. MAURO CID responde: ‘zero…’”, destacou a PF.
No dia seguinte, 30 de dezembro, o suplente de senador volta a cobrar o ajudante de ordens de Bolsonaro sobre o golpe de estado, mas não é atendido. Cid diz que está no voo. Neste dia, Bolsonaro deixou o Brasil rumo aos Estados Unidos.
Tenente tenta empréstimo para devolver dinheiro
“Já no dia 09/01/2023, evidenciando preocupação após a tentativa de golpe de Estado no dia anterior, PORTELA envia a MAURO CID diversas mensagens de usuários da rede social X que estariam reconhecendo pessoas do Mato Grosso do Sul, que teriam participado das ações do dia 08/01/2023 mensagem em tom de desespero relatando que ‘pessoal está em cima de mim aqui, infelizmente vou ter que devolver a parte desse pessoal, minha vida está um inferno’”.
Tenente Portela passou a sofrer pressão dos financiadores do ato golpista. No entanto, o suplente entra em desespero porque não tem o dinheiro e nem consegue realizar empréstimo consignado.
No dia 12 de janeiro de 2023, ele procura Mauro Cid para dar detalhes do seu desespero. O tenente coronel envia a resposta pelo Signal, o que indica, segundo a PF, cuidado para não ser descoberto.
“Diante dos diálogos identificados, restou claro que o investigado TENENTE PORTELA atuou de forma direta na solicitação e arrecadação de recursos financeiros entre apoiadores do plano de ruptura do Estado Democrático de Direito. Verificou-se também que os investigados tinham confiança de que os atos antidemocráticos ocorridos no 08/01/2023 desencadeariam ações concretas das Forças Armadas para executar um golpe de Estado”, concluiu a PF.
“Além de arrecadar recursos e sugerir linhas de ações para atuação, TENENTE PORTELA também apresentava preocupação de que pudesse ser identificado por outros usuários de redes sociais como um organizador dos atos criminosos ocorridos em 08/01/2023. A preocupação dele com as denúncias com relação aos ataques de 08 janeiro fica clara quando envia mensagens com prints para MAURO CID”, apontou a PF.
“Os diálogos demonstram a atuação do mesmo como agente intermediário de arrecadação e financiamento de ações antidemocráticas que resultaram no episódio do 08/01/2023. Assim, tem-se que a gravidade das condutas identificadas em relação ao investigado APARECIDO PORTELA (TENENTE PORTELA) são relevantes do ponto de vista penal, uma vez que atuou como elo de financiamento entre apoiadores da causa golpistas e os interesses do núcleo mais próximo do então presidente JAIR BOLSONARO”, concluiu a PF.
A PF sinaliza que Tenente Portela pode ser denunciado pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, ou ser alvo de novo inquérito que o incluirá entre os financiadores da tentativa de golpe de estado.
Edivaldo Bitencourt/O Jacaré