É comum, nessa época do ano, nos depararmos com uma cena curiosa: um batalhão de brasileiros com problemas existenciais corre às livrarias ou aos sites de compras em busca de algum manual para aquilo que não pode ser procurado, apenas vivido e, sem explicação ou regra, talvez encontrado: “a tal da felicidade”.
Para tristeza dessas almas aflitas, essa procura não passa de um clichê das redes sociais que só alimenta a infelicidade dos desesperados.
Esses livros (se é que podemos chamá-los assim) são essencialmente baboseiras travestidas de ciência ou filosofia, praticadas por pseudocientistas (ou pseudofilósofos) que julgam ensinar o que só se aprende vivendo: quebrando a cara, caindo e levantando nesse cotidiano áspero e competitivo que é comum a todos nós.
Os manuais de autoajuda têm um jeito curioso de olhar para a vida. Tratam a tristeza e o fracasso como se fossem anomalias, algo que não deveria existir.
Nesses livros, a infelicidade é vista como um erro a ser corrigido rapidamente, algo fora do lugar. Não admitem que a tristeza é uma parte natural da experiência humana. Pelo contrário, tentam vender a ideia de que a vida deve ser sempre feliz, como se isso fosse um padrão obrigatório, criando mais pressão e culpa em quem já está sofrendo.
Ontem, me deparei com uma notícia publicada no jornal O Estado de São Paulo sobre a criação do site The New Happy, que promete uma abordagem científica para alcançar uma felicidade duradoura.
Fundada por Stephanie Harrison, a plataforma oferece podcasts, newsletters e artigos que exploram a ciência da felicidade. Harrison também é autora de New Happy: GettingHappinessRight in a World That’sGot It Wrong, onde aprofunda essa filosofia questionável.
O debate é válido, mas carrega problemas. A primeira questão é a ideia de que há uma fórmula universal para a felicidade, ignorando que o que funciona para uns pode ser irrelevante ou até nocivo para outros.
Além disso, ao transformar a felicidade em produto, essas iniciativas frequentemente perdem autenticidade, reduzindo um conceito complexo a slogans comerciais.
O filósofo francês Pascal Bruckner, em A Euforia Perpétua, já apontava o perigo dessa mentalidade: “A obsessão pela felicidade transforma-se em uma infelicidade crônica, porque a vida real não pode competir com os ideais que construímos para ela”.
E aqui reside o problema central: a imposição de um padrão inatingível de bem-estar transforma a felicidade em um fardo, não em uma conquista.
Insistir na felicidade como uma obrigação desconecta o indivíduo de sua realidade. Transformar o bem-estar em uma meta exclusivamente pessoal é esquecer que ele é condicionado pelas relações e pelo contexto social.
Essa visão militarizada da felicidade, que a trata como uma batalha e não como uma experiência humana, nos leva ao esgotamento, não à plenitude.
No final das contas, as respostas para as dores da alma não estão em livretos ou slogans publicitários. Elas estão dentro de cada indivíduo, na coragem de encarar dores e culpas e aprender a conviver com elas. A felicidade não é um prêmio para os mocinhos, mas um sentimento que se revela em momentos inesperados.
Quem consegue suportar a obrigação totalitária de ser feliz? Só os editores e autores de livros de autoajuda. Talvez porque seus royalties sejam mais “cientificamente comprovados” do que suas fórmulas mágicas.