A frase “quando eu nasci meu pai disse que eu tinha o aquilo roxo”, do ex-presidente Fernando Collor de Melo, em abril de 1991, em Juazeiro do Norte, em contraponto às manifestações de partidos de oposição iniciando ali os protestos que culminariam no processo de seu impeachment, no final de 1992, é empregada no Nordeste para designar virilidade e coragem. Diz-se que uma criança tem “saco roxo” quando se deseja enfatizar sua força e masculinidade. Mais ou menos o que o prefeito Marçal Filho vem dizendo desde a campanha eleitoral, em tom menos chulo, mas não menos contundente.
Tirante as palavras de ordem quanto à solução dos problemas da golden city, principalmente os da saúde, que parecem ser a pedra de toque de sua missão – “sei como resolver e vou fazer isso” –, outras tão deliciosamente audíveis pela turba pensante, saídas da boca do locutor das multidões. Quando Marçal faz ressoar sua determinação de trabalhar para retomar o protagonismo político de Dourados no estado, ele está prometendo solenemente que pode passar por cima de certas picuinhas para apoiar um candidato a senador como, por exemplo, o deputado federal Geraldo Resende, cuja pretensão já está colocada, mesmo não tendo tido dele o apoio que esperava para se eleger prefeito ou mesmo o vice-governador Barbosinha. Até porque, para governador, em seu consciente, desde que acredite mesmo em sua varinha de condão, o nome a ser colocado deverá ser inspirado no bordão radiofônico “Marçal Filho sou eu, só existe um, se aparecer outro por aí manda prender porque é falso”. Ou seja, o dele próprio.
Para isso, Marçal Filho precisa superar o antigo patrão Zé Elias, que renunciou à prefeitura no sexto ano da mais bem-sucedida administração que Dourados já teve para disputar governo do estado; seu aliado temporário de MDB, João Totó Câmara, o mais notável dos prefeitos, enquanto liderança política, além do fenomenal Ari Valdecir Artuzi. E, aqui, o grande problema, porque além da performance eleitoral, Artuzi despontava também como grande administrador, pelo seu jeito decidido e destemido de ser, e, muito mais, pelo enfrentamento que fazia aos caciques políticos do estado.
Além disso, Marçal também teria que reescrever a “Crônica de uma morte anunciada”, de Gabriel García Márquez, onde o também bonitão – mas arrogante, de Macondo – Santiago Nasar é assassinado pelos irmãos de uma moça por ele desvirginada antes do casamento. Artuzi foi “assassinado” politicamente porque ameaçava os interesses do establishment, depois de preso (acusado de corrupção) morrendo sem dinheiro sequer para pagar a medicação contra um câncer de intestino. O mesmo Artuzi que forçou o governador André Puccinelli a fazer a Perimetral Norte, sob a ameaça de abrir uma picada para desviar o trânsito pesado do centro da cidade que ele sonhava asfaltar “inteirinha” para acabar com as famigeradas operações tapa-buracos, uma das maiores fontes de corrupção no município.
Ah, esses algoritmos! Menos mal que o prefeito Marçal Filho foi incisivo em sua primeira reunião com seu secretariado: “Vocês estão aqui porque foram escolhidos por mim, sem imposição de ninguém, sem indicação de partidos ou padrinhos”. Que alívio! Só assim para levar a sério o discurso do protagonismo político estadual de Dourados e para não entender como mais uma bravata o caco (frase de improviso, fugindo do discurso escrito e formal de posse) em que “advertiu” os caciques políticos estaduais. Além de incisivo, peremptório: “Que se cuide Campo Grande!”.
Sem bairrismo, o ponto alto do discurso. E como se trata de um caco, não tive como não relembrar dos tempos dos governos militares, quando os discursos do prefeito e do governador tinham que ser submetidos ao crivo da presidência da República, como aconteceu quando os generais Ernesto Geisel e João Figueiredo estiveram em Dourados. Imaginação fértil, fiquei a pensar se o ghost riter daquele discurso seria alguém ligado ao “rei” Azambuja ou ao poderoso deputado Zé Teixeira. Alvissaras, pois, o caco, como prenúncio da carta de alforria.
Como comecei com o caçador de marajás do saco roxo das Alagoas, termino com o ébrio dos discursos eruditos [“fi-lo porque qui-lo” (a renúncia) ou “bebo porque líquido é, pois se sólido fosse, comê-lo-ia” (para justificar os porres como o que provocou a renúncia)], que Marçal comece a pensar em adotar como símbolo de uma eventual campanha ao governo algo como a vassourinha – para varrer a corrupção – do jingle de campanha de Jânio Quadros, até como homenagem ao único presidente da República nascido em Mato Grosso do Sul e eleito pelo voto popular.