Bolsonarista de carteirinha, o zelador do meu prédio, o Alemão, é daqueles que me param sempre que nos cruzamos pelos corredores ou no elevador para soltar uma provocação:
– Quando o senhor vai assar uma picanha pra nós aqui na sacada?
O comentário, claro, é sempre uma referência ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem ele só chama de “molusco”.
Hoje, enquanto trocava a resistência de um chuveiro no meu banheiro, Alemão mudou de tema e começou a falar sobre a recém-empossada administração municipal:
– Viu que o Marçal já começou a trabalhar? Até foi visitar a UPA!
Conhecendo-me bem, ele nem esperou meu contraponto e já acrescentou uma informação extra, ainda ausente nos releases da prefeitura:
– Começou bem, o Marçal, imitando o Braz Melo.
Ele nem precisou concluir a frase. Eu já sabia do que se tratava, pois havia passado ontem à tarde pelo local da primeira “obra” da nova administração: na esquina da Rua Melvin Jones com a João Vicente Ferreira. Só não tinha percebido a conexão, porque pensei que fosse coisa ainda da recém-finda gestão de Alan Guedes, que mora ali perto.
Como era uma informação irrelevante do ponto de vista jornalístico, nem cogitei incomodar o secretário de Serviços Urbanos, Luiz Roberto Pereira Martins de Araújo, para confirmar se essa era, de fato, a primeira grande ação do radialista cuja prioridade cantada em prosa e verso é desatar o nó da saúde pública.
O que parecia ser apenas um texto breve – até pensei em encerrá-lo com uma comparação à piada preferida do ex-prefeito Totó Câmara, sobre as más intenções do piloto que dava carona a duas freiras quando seu teco-teco entrou em parafuso – mudou de rumo quando, nesse momento de “desinspiração”, desci até o ABV Central, aqui na esquina, para comprar umas Heinekens.
Para minha surpresa, encontrei os garis da Litucera (empresa de limpeza pública), com baldes de cal e pincéis à mão, pintando não só os meios-fios, mas também as faixas diagonais dos estacionamentos e até os rodapés dos postes de iluminação pública.
Cá com meus botões, comecei a pensar: será? Não, o Marçal não precisaria recorrer a esse tipo de subterfúgio. A menos que seja só uma velha jogada de marketing, como a de Braz Melo, para ganhar tempo enquanto se ajusta ao governo de Lula. Afinal, eleito com o apoio de fazendeiros bolsonaristas e tendo uma vice que é da cozinha do ex-presidente, Marçal Filho pode enfrentar um caminho complicado para viabilizar recursos em um governo petista.
Aí, voltando ao “molusco” que o zelador tanto despreza, penso no estilo “polvo” que Marçal Filho parece demonstrar desde o anúncio de seu secretariado. O polvo, na hierarquia dos moluscos, é singular: além do cérebro central, possui oito gânglios, ou mini-cérebros, que controlam seus tentáculos de forma autônoma. Marçal, no entanto, tem muito mais tentáculos: seus secretários e até a bancada federal que já se antecipou – alguns parlamentares até vindo procurá-lo para garantir recursos por meio das tão decantadas e famigeradas emendas parlamentares.
Assim como o polvo sobrevive pela integração eficiente entre seu cérebro central e os tentáculos, a administração pública só funciona quando o líder delega poder e confia em sua equipe. O eleitor confiou ao prefeito o “macro”, ou seja, a solução dos grandes problemas e o direcionamento geral. Ele não pode resolver tudo sozinho; precisa da força coletiva.
Por isso, é difícil acreditar que a “grande ideia” de começar a administração pintando meios-fios e postes tenha partido do próprio prefeito. Talvez, nessa força coletiva, alguém esteja tentando ressuscitar a antiga loja “Brastintas”, que, ironicamente, deu lugar à imaginária “Brascal”. Coisas do Beto Catalão, a mando do patrão Murilo Zauith, ou do próprio Braz Melo, que já andou cantando essa bola na padaria do fuxico?