Nessa época do ano, na virada da década de 1970, o sempre discreto jornalista Júlio Marques de Almeida encerrava mais cedo seu expediente na assessoria de imprensa do prefeito José Elias Moreira, num puxadinho do histórico Casarão da João Rosa Góes. Atravessava a rua e, uns vinte metros à frente, já na Joaquim Teixeira Alves, entrava à esquerda, num beco ao lado da Foto Oriente, onde um tunguete de Roberto Razuk era temporariamente utilizado como oficina da Escola de Samba Natureza de Dourados. Ali, ele ajudava as costureiras e aderecistas na confecção das fantasias para o desfile em plena Marcelino Pires. O carnavalesco, tinha que ser, o antológico Ilso Venâncio, o Boca. O presidente da escola, claro, o mesmo Roberto Razuk, à época também o maior incentivador do esporte profissional.
Nesses anos dourados de nossa história, sob a batuta do também carnavalesco Paixão, o som da cuíca chorava e o dos tambores ecoava no compasso do carnaval, espalhando alegria pelas ruas da terra de seu Marcelino com um enredo vivo de cores e paixões. Sim, Dourados tinha carnaval de rua. Não apenas com escola de samba, mas também com grupos carnavalescos que, “expulsos” da Marcelino Pires, hoje se limitam a acanhadas rodas de samba, como “Os Sakudos”, “Os Pinguços” e o bloco da “Geni”, alguns dos quais nem existem mais.

Mais tarde um pouco, nos tempos que também não voltam mais do visionário Antônio Tonanni, sua emissora de rádio, a um dia Grande FM, também promovia memoráveis carnavais de rua. Senão com blocos ou escolas de sambas, pelo menos com um potente som para que o douradense pudesse sacolejar à vontade, na mesma praça Antônio João.
O gancho do carnaval é apenas pela ocasião, já que os foliões que não querem perder a forma precisam se deslocar até Fátima do Sul, Aquidauana, Campo Grande ou Corumbá (onde está cada vez mais vivo um dos mais tradicionais desfiles de escolas de samba do interior do Brasil). Mas a tradição do carnaval não é a única que se esvai pelos descaminhos da ganância de uma cidade que mira o luxo dos grandiosos condomínios fechados e até dos arranha-céus, consequência da alta rentabilidade do boi e da soja, deixando de lado seus caros valores históricos.
Ontem mesmo, entre quibes e esfihas do insubordinado Racib Harb, aproveitei para voltar um pouco aos memoráveis tempos do futebol douradense, na companhia de seu pai, o emblemático goleiro do Ubiratan, Afif Hani Abou Harb. Tempos em que o supercampeonato amador, sempre polarizado entre Ubiratan e Operário, proporcionava emoções tão fortes quanto as de dérbis como Palmeiras e Corinthians ou um Fla-Flu. Todos concordando que, enquanto não houver um ou mais times para rivalizar com o que é montado por algum empresário ganancioso apenas para vender atletas no exterior – o Dourados é só o mais recente exemplo –, o Douradão continuará sendo apenas um elefante branco.
Oxalá, um dia o quixotesco Joaquim Soares consiga sensibilizar “seu Zé” (o deputado Zé Teixeira) ou algum outro endinheirado para ressuscitar o velho campeão “Leão da Fronteira” ou mesmo algum descendente de Frédis Saldivar ou de Walter Brandão da Silva para o retorno do não menos glorioso Operário.
E assim é com a história como um todo. A Festa Junina de Zé Elias, por exemplo, que só se tornou tradicional porque “parava” o trânsito da cidade por uma semana para que suas barraquinhas se estendessem em torno do quadrilátero da Praça Antônio João. Ah, mas isso atrapalha o comércio! Só daqui? Talvez nossos comerciantes precisem rodar um pouco o mundo para saber que praça pública é para isso também.
O prefeito Marçal Filho, pois, que tome tento. Seu prometido retorno do protagonismo político não vai acontecer enquanto ele ficar apenas saltitando em cima de bocas de dragão ou tomando a vaga de garis na limpeza pública. Para ocupar seu espaço na história, precisa, primeiro, fazer com que ela seja respeitada. Não apenas trazendo de volta a Festa Junina para a Praça Antônio João, mas, antes disso, recolocando em seu lugar de origem o monumento do presidente Getúlio Vargas, que Murilo Zauith escondeu no lugar onde deveria – se ele conhecesse a história – ser erguido um monumento ao Marechal Rondon. Da mesma forma, trazer de volta para o centro da cidade o ervateiro carregando o raído, que Ari Artuzi, por não conhecer o significado da palavra, mandou “tombar” na calada da noite e jogar no lixo. Só assim Marçal Filho não será enviado para o lixo da história, como Zauith e Artuzi.