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sábado, março 8, 2025

A mentira como verdade

Os que hoje gritam cinicamente por liberdade de expressão querem usá-la justamente para suprimi-la

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O principal canal de Donald Trump para disseminar mentiras chama-se Truth Social —Confederação da Verdade ou algo assim. É a rede social fundada por ele em 2021, destinada a disparar textos, posts e arquivos para os lorpas americanos. Mas, se a extrema-direita acha que essa tática de fazer da mentira a verdade é de sua invenção, engana-se. Foi usada com grande sucesso pela União Soviética de 1917 a 1991, através de seu jornal oficial, Pravda, editado pelo Partido Comunista com a função de encobrir os crimes do Estado. Pravda, em português, quer dizer verdade.

Em “1984”, romance de George Orwell, a mentira era também a especialidade do Ministério da Verdade, órgão dedicado a “corrigir” periodicamente a história, falsificando informações e convertendo antigos heróis em inimigos do regime. Seu slogan era “Quem controla o passado controla o futuro. Quem controla o presente controla o passado”. Seu modelo era o mesmo Pravda, que apagava das fotos os velhos revolucionários que tinham se voltado contra Stálin.

Outra tática dos comunistas era inverter o sentido de certas palavras. Os países-satélites da URSS no Leste Europeu, tristes ditaduras subjugadas a Moscou, eram chamados de repúblicas “populares” ou “democráticas”. O povo a que elas se referiam era o Comitê Central do Partido Comunista local, que supostamente o representava. Da mesma forma, na Alemanha, o nazismo era uma abreviatura de “nacional-socialismo”. Não tinha nada de socialista, mas a palavra ajudou-o a consolidar-se.

Corromper palavras é típico dos autoritários de qualquer cor política. Bolsonaro e seus esbirros, adeptos da ditadura militar que asfixiou o Brasil por 21 anos, têm o cinismo de gritar por “liberdade de expressão” —liberdade que querem usar justamente para suprimi-la se voltarem ao poder. É o mesmo cinismo com que dizem “o Brasil acima de tudo” enquanto municiam Trump para afrontar a soberania brasileira.

O perigo não está só na mentira, mas, pior ainda, na mentira como verdade.

Ruy Castro – Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras

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