Mais uma quinta-feira, garantia de bons TBT’s lá na frente, mais um lançamento com pompa e PowerPoint. Dessa vez foi o Pacto Pantanal, que o governo de Mato Grosso do Sul garante ser o maior programa de conservação já feito para o bioma. Um pacto histórico, como estampado na manchete de ontem aqui mesmo. Uma nova lógica de desenvolvimento, juram. Um modelo que “transforma a preservação em ativo estratégico”. Sim, essa última frase veio mesmo de um release oficial.
Confesso que fiquei com um déjà vu. Toda vez que algum governo anuncia um plano grandioso para o Pantanal, o discurso é o mesmo: salvar o bioma, melhorar a vida de quem vive lá, integrar conservação com produção. O problema é que o bioma continua pegando fogo no verão, secando no inverno e servindo de palco para a eterna disputa entre discurso e realidade.
Desta vez, no entanto, há uma diferença que merece atenção: dinheiro na mão de quem preserva. O chamado Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) finalmente foi alçado à condição de política pública com orçamento e meta definida. A lógica é boa: se destruir gera lucro, preservar também precisa gerar. Caso contrário, vamos continuar apostando na consciência ambiental de quem está no vermelho.
O pacto fala em pagar produtores e comunidades que mantêm a vegetação nativa, cuidam de nascentes e seguem práticas sustentáveis. Parece justo. Parece moderno. Parece promissor. Moderno e promissor, aliás, como tudo no Governo Riedel-Barbosinha. Mas também parece bom demais para ser verdade — até que o primeiro pagamento atrase, ou que o cadastro vire uma burocracia que só agrônomo com pós-graduação entenda.
O governo diz que vai atender 50 mil famílias e proteger 9 milhões de hectares. Um número impressionante, que faz o Pantanal parecer finalmente estar no centro do mapa. Mas já aprendemos a desconfiar de números redondos. Eles cabem bem nos discursos, mas nem sempre nos relatórios.
Durante o lançamento, o governador Riedel falou em “modelo de desenvolvimento integrado”. O vice, Barbosinha, foi mais direto: disse que é possível preservar sem abandonar as pessoas. Tomara que sim. Porque até agora, o Pantanal tem servido mais como cenário de propaganda do que de política pública consistente.
O que preocupa não é o plano em si — que, repito, é bom e necessário. O que preocupa é a capacidade de execução. A história recente do Brasil está cheia de pactos, planos, promessas e plataformas que nunca chegaram ao chão batido onde vivem as famílias pantaneiras.
Até lá, seguimos no compasso conhecido: esperança no discurso, cautela na prática e um olho atento na execução. Porque o Pantanal já viu muitas assinaturas em papel timbrado. O que ele precisa agora é de ação com data, verba, fiscalização — e resultado.
Se o governo conseguir tirar esse pacto do papel, pagar em dia, medir resultados e resistir à tentação de fazer do projeto um outdoor eleitoral, ótimo. A gente aplaude. Mas, por enquanto, seguimos na postura cautelosa de quem já ouviu muito sobre “nova fase”, “gestão inovadora” e “governança verde”. E, sinceramente, já passou da hora de um pacto ser mais do que um evento com buffet e claque de assessores. Aliás, mais “aspones” que assessores.
O Pantanal está cansado de ser símbolo. Cansado de ser cenário de novelas, de documentário gringo e promessa de evento técnico. O que ele precisa é de ação continuada, orçamento robusto, fiscalização com dente e política pública com prazo, meta e prestação de contas.
Que os pensadores do Pantanal e os propositores deste novo pacto tenham a coragem de sair do já icônico Aquário do Pantanal — herança estética de André Puccinelli — e deem o próximo passo lá onde o bioma pulsa de verdade: em pleno chão encharcado, à sombra de um carandá, contemplando um tuiuiú no voo baixo, mesmo que o caminho exija cruzar os olhos com uma onça-pintada ou, mais interessante ainda, com sua sósia Juna Marruá (desde que Juliana Paes) conduzindo o cerimonial de um hipotético evento de “inauguração” de algum marco do governo do estado em plena planície pantaneira.
Porque só pisa firme no Pantanal quem entende que proteger é mais do que prometer.