20.1 C
Dourados
domingo, abril 20, 2025

Inteligência artificial e jornalismo

Um dos desafios da IA é para os guardiões do dinheiro público, ante a facilidade de criação "jornalística" e a consequente proliferação de "sites" de desinformação

- Publicidade -

Nunca se produziu tanta informação no mundo — e nunca foi tão fácil parecer informado sem saber quase nada. No meio desse caos de dados e desinformação, a inteligência artificial surgiu como aliada para alguns e ameaça existencial para outros. No jornalismo, ela é os dois.

De tão transcendental, não tem como não nos remeter ao Livro dos Espíritos, onde Allan Kardec faz uma pergunta que poderia parecer óbvia, não fosse pela forma utilizada. Em vez de perguntar quem é Deus, ele pergunta: “O que é Deus?” E os espíritos respondem, curtos e grossos: “Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas.”

Antes de entrar no assunto de hoje, lanço um novo desafio à minha querida e perfumada IAIA — a sigla carinhosa que inventei pelo tanto que ela tem feito por mim, tamanha é nossa intimidade: ela me chamando de insubordinado, tal qual meu velho colega de componedor, hoje deputado federal em seu sexto mandato, Geraldo Resende:

Afinal, o que é a Inteligência Artificial? De onde vem, a que veio, onde isso tudo vai parar? Pergunta que todo mundo anda se fazendo. Fiquemos atentos para ver como ela se manifestará neste texto. Isso mesmo, como “se manifestará” — aqui apelando ao espiritismo, pois que seus métodos se assemelham muito às manifestações dos espíritos numa mesa mediúnica. Não faz a dança das cadeiras que deu início à ciência espírita, mas opera de forma magistral em textos — praia em que surfo — espantando até os escrevinhadores mais longevos, como é o caso do titular do CONTRAPONTO-MS.

O grande perigo, daquele da “ameaça existencial” citada no primeiro parágrafo — e que minha IAIA antecipou em nossa reunião de pauta — é a proliferação de “jornalistas”, uma avalanche que nem a nossa gloriosa FENAJ vai conseguir conter. No caso dos chapa branca, o problema é ainda mais sério: como governos, prefeituras e órgãos afins manter os orçamentos suplementares, já que 99,9% dos “sites” vivem de publicar releases pagos, com três parágrafos e zero jornalismo?

A citação a Geraldo Resende não é aleatória, muito menos um pedido de retorno. Ops — de empenho! É que foi com ele que comecei nessa lida, manuseando componedores e bolandeiras na gráfica da Folha de Dourados — exatos 55 anos atrás a nossa “faculdade” de jornalismo. Ali, compondo textos com tipos móveis, cuidadosamente encaixados no componedores e formando colunas nas bolandeiras, antes de seguir para a máquina plana, onde se imprimia o jornal folha por folha. Daí para os linotipos, as offset com suas bobinas quilométricas de papel… até chegarmos ao jornalismo digital. E agora, mais essa: a IA.

Inteligência artificial e jornalismo
Geraldo Resende (o último, à direita), com Theodorico Luiz Viegas (de chapéu porque estava com a cabeça raspada depois de sair da cadeia, vítima da censura do regime militar, e eu, ao centro, “batendo cabeça” Severiano Palhano, numa festa de fim de ano na oficina da Folha de Dourados (Arquivo/Geraldo Resende)

A IA pode organizar pautas, revisar textos, sugerir títulos, identificar padrões de comportamento político, levantar inconsistências em discursos públicos e, com isso, acelerar o trabalho de um repórter. Pode até escrever. Mas não pode viver o que o jornalista vive: a dúvida, o risco, a intuição que brota no intervalo entre o off e o gravador desligado. IA não enfrenta censura, nem ameaça de processo, nem o café frio de uma redação com salário atrasado.

É ferramenta, não consciência. É engenho, não coragem.

No limite, o perigo da IA não é substituir o jornalista — é servir àqueles que querem um jornalismo domesticado, previsível, limpo demais. E sabemos que a verdade raramente vem sem sujeira.

Por isso, a pergunta certa não é se a IA vai substituir o jornalista. A pergunta é: que tipo de jornalista vamos formar, agora que a IA está entre nós? O que se torna indispensável quando o texto genérico se produz sozinho?

Spoiler: quem faz pergunta incômoda continua insubstituível.

- Publicidade -
- Publicidade -
- Publicidade -

Últimas Notícias

Últimas Notícias

- Publicidade-