Salve, salve, senhores e senhoras da boa-fé, do patriotismo de camelô e da indignação de WhatsApp. Vem aí mais um capítulo do folhetim tragicômico da República da Terra Plana: o Baile da Ilha Fiscal versão 2025, estrelando Jair Messias Bolsonaro no papel de Dom Sebastião do cercadinho, com produção executiva do profeta do Apocalipse, Silas Malafaia, e trilha sonora gospel com marchinha de intervenção militar.
Mas antes de seguir, uma breve aula de História — daquelas que não se aprende no Zap.
O Baile da Ilha Fiscal, de 1889, foi uma das festas mais suntuosas do Império, promovida poucos dias antes da Proclamação da República. Um delírio aristocrático à beira do abismo. Dom Pedro II dançava entre os candelabros enquanto o povo, do lado de fora, já preparava a queda da monarquia. O baile virou símbolo de cegueira política — de quem festeja enquanto o mundo desaba.
É essa a metáfora que Bolsonaro encena amanhã na Paulista. Um último desfile messiânico, embalado por fiéis e fanáticos, enquanto o cerco da Justiça se fecha. O paletó de gala é substituído pela camiseta da Seleção. Os candelabros viram telões de LED. A orquestra é gospel. Mas o desespero é o mesmo.
E não custa lembrar outro momento de agonia presidencial: Fernando Collor de Mello, em 1992, já em rota de colisão com o impeachment, foi à TV pedir apoio popular. Convocou a população a vestir verde e amarelo e ir às ruas em sua defesa. O que aconteceu? O Brasil respondeu — mas de preto. Em vez de bandeiras, lenços e faixas de luto. Nascia a Revolta dos Caras-Pintadas. Uma geração de jovens tomou as avenidas para dizer: chega. O símbolo da esperança oficial virou o luto da indignação.
Pois é. A história não se repete, dizem. Mas às vezes ela se vinga.
Bolsonaro — agora um ex, um réu e um desesperado — chama os fiéis para a rua, não mais para defender um governo, mas para tentar salvar a própria pele. Entre um discurso sobre comunismo imaginário e uma selfie com um pastor, tenta comover o Judiciário com a comoção popular. A esperança? Que os gritos abafem as provas, que a fé suplante o Código Penal, que o show religioso disfarce o risco de uma cela sem wi-fi.
E no altar desse culto político, Malafaia, o pregador do caos, prega o milagre da impunidade. Clama aos céus, mas teme a Papuda. Quer salvar o Messias, mas sabe que a Polícia Federal já não se ajoelha diante de “glória a Deus”.
Essa manifestação não é mais sobre o Brasil. É sobre o desespero de um homem cercado por inquéritos, delatado por oficiais de um Exército que traiu pelo próprio verbo. É sobre um mito que virou meme. Um capitão que terminou como recruta das circunstâncias. Um comandante sem tropa, salvo pelos seguidores mais radicais — e pelos algoritmos.
Amanhã, a Paulista será um termômetro. Não do apoio popular, mas da capacidade do bolsonarismo de continuar existindo como fenômeno político mesmo sem Bolsonaro no poder — ou fora dele. Será um desfile de fantasmas: da Lava Jato, da moralidade seletiva, da pátria armada, da religião instrumentalizada. Um último tango em São Paulo.
E se o povo que ainda crê aparecer, que apareça. Mas talvez, como naqueles dias de Collor, sejam os que não creem mais que farão história.
Afinal, como já disse um certo poeta maldito das redações: quando os ratos começam a rezar, é sinal de que o gato está voltando.