Quem conhece um pouco da história de Dourados não tem como não retroceder no tempo ao ler o release distribuído nesta quarta-feira (9) pela assessoria do prefeito Marçal Filho, anunciando a entrada do município na era dos arranha-céus — ultrapassando, inclusive, a própria capital do estado.
Corria a década de 1960 quando o radialista Jorge Antônio Salomão — padrinho de batismo do atual prefeito, que também se elegeria prefeito pelo microfone da Rádio Clube, então a única emissora da cidade — resolveu ampliar seus domínios na comunicação. De projeto em punho, embarcou num ônibus da antiga viação Cabana rumo a São Paulo, em busca de um canal da Rede Bandeirantes para Dourados.
Diante do empresário João Saad, Salomão mal começou a explanação mostrando uma foto aérea da cidade. O paulista foi direto ao ponto:
“Como você quer implantar uma emissora de TV numa cidade que não tem um prédio sequer?”
Fim de papo. A TV ficou no sonho.
Décadas depois, seu afilhado, hoje prefeito, recebe em gabinete representantes da construtora Vifran, anunciando um projeto que vai erguer não apenas mais uma torre entre tantas que já reconfiguram o perfil urbano da cidade, mas o maior edifício do estado: 44 andares, 140 metros de altura, a ser construído num terreno desmembrado da tradicional Escola Imaculada Conceição, entre as ruas Ponta Porã, Olinda Pires e Albino Torraca.
O investimento de R$ 150 milhões contempla andares comerciais na base e residenciais acima. O grupo Vifran, com sede em Valinhos (SP), identificou em Dourados um mercado “pujante” e viu na terra de seu Marcelino um solo fértil para fincar sua torre.
O prefeito celebrou. Disse que Dourados entra em novo patamar de desenvolvimento urbano. Citou condomínios de luxo como referência nacional e reforçou que a cidade “está preparada para crescer ainda mais”.
Nada contra. A cidade cresceu, sim. Mas o salto tardio — tardio porque o recado de Saad ainda ecoa nas esquinas vermelhas da golden city — mostra que a Dourados de 2025 continua, em parte, tentando alcançar a imagem que sonhava ter nos anos 60.
E pensar que tudo começou com uma foto aérea e um “não”.
Agora, com o arranha-céu prestes a subir, é bem possível que lá no céu, Jorge Antônio Salomão, com sua verve afiada, esteja em companhia do também douradense que também sonhou ter seu canal de TV local, Antônio Tonanni — mais venenoso ainda — os dois à caça de João Saad pelos corredores da eternidade.
E quando encontrarem o velho empresário paulista, não duvide: Salomão vai jogar na cara dele, com a convicção de quem esperou décadas pelo momento certo:
“Não te falei que tava no rumo certo?”
