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quinta-feira, abril 17, 2025

Pai nosso, ajuda-me

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As forças nos braços diminuíram, mas é preciso colocar a água quente no coador, fazer o café da manhã. Preciso continuar cuidando dos filhos que ainda vivem em casa. São adultos — e daí? Nunca se casaram! O que mais me incomoda é que estão sempre brigando, não se entendem. Quando os dois discutem, meu coração se acelera, bate como se quisesse sair do peito.

Fazer o quê? Estou sempre aconselhando, mas não me ouvem. E aqui em casa querem fazer tudo do jeito deles – cada um com o seu jeito –, mas não podem. Não deixo! Que pecado cometi para merecer isso? Certamente foi o fato de ter fugido para me casar, sem o consentimento dos meus pais. Mas o tempo estava passando e eu queria fundar meu próprio lar — longe da família, que tinha regras para tudo. Eu já era maior de idade, tinha mais de 21 anos, numa época em que as moças se casavam cedo. Tomei minha decisão.

Os outros filhos se casaram, moram longe. Não podem me ajudar. Uma delas, um dia, me disse que a solução era colocá-los para fora de casa. Mas como fazer isso com um filho? Eles não têm onde morar, trabalharam muito, mas não souberam guardar nada. Fico preocupada, porque não sou mais jovem e sei que, logo mais, o meu Pai do Céu vem me buscar. Fazer o quê? O que posso fazer para que eles se entendam bem?

Aos 90 anos, tenho medo. Medo de perder completamente as ideias, de não saber mais quem sou, de não poder assumir mais nada. Minha memória está tão fraca! Outro dia fui varrer a calçada e esqueci de desligar o fogo. Estava sozinha. Quando voltei, tudo o que estava na panela tinha queimado. Por pouco não queimou o fogão, a casa, tudo! Quando vi aquilo, corri e desliguei tudo. As pernas tremeram, sentei um pouco, tomei água com açúcar para me acalmar. Que medo eu tive!

Deus, me ajuda! Me ajuda a não perder a cabeça. Que os filhos se ajeitem… Ela tem mais de 66 anos, e ele já vai para os 60.

Pai nosso que estais nos céus…

Mazé Torquato Chotil – Jornalista e autora. Doutora (Paris VIII) e pós-doutora (EHESS), nasceu em Glória de Dourados-MS, morou em Osasco-SP antes de chegar em Paris em 1985. Agora vive entre Paris, São Paulo e o Mato Grosso do Sul. Tem 14 livros publicados (cinco em francês). Fazem parte deles: Na sombra do ipê e No Crepúsculo da vida (Patuá); Lembranças do sítio / Mon enfance dans le Mato Grosso; Lembranças da vila; Nascentes vivas para os povos Guarani, Kaiowá e Terenas; Maria d’Apparecida negroluminosa voz; e Na rota de traficantes de obras de arte.
Em Paris, trabalha na divulgação da cultura brasileira, sobretudo a literária. Foi editora da 00h00 (catálogo lusófono) e é fundadora da UEELP – União Européia de escritores de língua Portuguesa. Escreveu – e escreve – para a imprensa brasileira e sites europeus.

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