O governador Eduardo Riedel deve aproveitar estes dias de recolhimento familiar na Europa para, ao voltar, respirar fundo e dar o pontapé inicial no processo de sua própria sucessão. E logo de cara terá de enfrentar uma de suas decisões mais difíceis: o que fazer com o vice-governador Barbosinha.
Amigo, companheiro leal, disciplinado e pau pra toda obra, Barbosinha não se manifesta publicamente quando sondado. Mas, no íntimo, deve estar torcendo para que o comando tucano relembre — e reconheça — as circunstâncias do convite feito a ele, e de pronto aceito, lá na undécima hora da candidatura de Riedel. Naquela ocasião, o então deputado já havia decolado com seu teco-teco do aeroporto Zé Leitão, disposto a percorrer o estado em busca de sua reeleição à Assembleia Legislativa.
Importante lembrar que Riedel chegou à convenção com outro nome para vice, também de Dourados: um bispo que já havia disputado o governo na garupa do um dia tão temido juiz Odilon de Oliveira, mas que foi barrado pela burocracia da Justiça Eleitoral.
O reconhecimento esperado por Barbosinha não se deve apenas ao “sacrifício” aceito quando Riedel ainda não ultrapassava os dois dígitos nas pesquisas. Mais do que isso, conta a forma lhana — e sobretudo republicana — com que tem se comportado no cargo. Nunca ultrapassou um centímetro dos limites institucionais, evitando qualquer tipo de constrangimento ao titular. Jamais sequer flertou com estratagemas golpistas, como visto em administrações anteriores — sendo o exemplo mais emblemático a tentativa amadora e sorrateira do ex-vice Murilo Zauith de defenestrar Reinaldo Azambuja. E pensar que tudo por um rabo de saia, o que fugia, inclusive, do padrão bolsonarista depois descoberto, até com uma planilha para acompanhar os passos e eliminar o sucessor, o vice e ministros do STF.
Este, no entanto, não é o único abacaxi que Riedel terá de descascar em seu retorno ao Brasil — por coincidência, no dia 21 de abril, feriado da Inconfidência Mineira. Além da própria sucessão, há o acerto de contas com seu padrinho político, Reinaldo Azambuja, tido como nome certo para uma das duas vagas ao Senado. Riedel precisa de sua eleição para, enfim, governar sem a incômoda condição de “poste” fincado na invernada do antecessor.
Mas o xadrez sucessório exige mais. Governando com apoio federal e recursos de Lula, mas sem descuidar do espólio bolsonarista, Riedel ainda tem o incômodo da pré-candidatura senatorial do pragmático deputado federal Vander Loubet. Incomoda porque não há como negar uma ajudinha ao PT — partido que garante, hoje, apoio unanime ao seu governo na Assembleia Legislativa.
Se Azambuja já conta com a vitória e a desinfecção simbólica da cadeira de Soraya Thronicke, por que não alimentar também o sonho de Loubet de sentar-se na de Nelsinho Trad? Trad, aliás, é parceiro de Riedel nas emendas parlamentares. O mesmo pode se dizer de Gerson Claro, presidente da ALEMS, que também flerta com o Salão Azul, e de Geraldo Resende, o tucano da Saúde que, após seis mandatos no Salão Verde, agora sonha com a calmaria visual do azul turquesa do Senado.
Acabou o drama? Claro que não.
Basta olhar para os nomes aliados que já sondam os melhores gabinetes do Anexo IV da Câmara dos Deputados — aqueles com vista para o Planalto ou para o aeroporto JK. Alguns com bala na agulha, como Rose Modesto, que além de cortejar uma das oito vagas da bancada federal, anda tendo recaídas com a vice-governadoria. Outros como Mara Caseiro e Lídio Lopes, o primeiro-cavalheiro de Campo Grande, também figuram no tabuleiro federal.
Mas a maior confusão está mesmo na extensa lista de pré-candidatos à Assembleia Legislativa. Apegado como está a Barbosinha, caso não consiga tê-lo por mais quatro anos ao seu lado, Riedel terá, pelo menos, que devolver-lhe a cadeira de deputado estadual. E há mais: ele pode, ainda, transferir ao vice a missão de tornar realidade o sonho douradense de ter seu primeiro senador legítimo. Soraya, embora nascida na terra de seu Marcelino, não fez por merecer essa honraria.
Na Assembleia também já aparecem os primeiros sinais de reacomodação. Da mesma forma, entre os atuais secretários de Riedel — e não são poucos — há os que miram as cadeiras de Mara, Lídio ou, quem sabe, a do próprio governador, num futuro próximo.
Que os ideais dos inconfidentes inspirem Eduardo Riedel neste retorno. E que, ao plantar seus postes, ele use aroeira. Porque se não fincar direito, a política sul-mato-grossense corre o risco de virar uma zona — ou um circo — tomando por parâmetro algumas escolhas equivocadas das últimas eleições para o Palácio Jaguaribe, em Dourados.