Dizem os livros sagrados — e também alguns grupos de WhatsApp — que o Messias viria em glória, cercado de ovelhas, com um cajado em punho e palavras de salvação nos lábios. Pois bem. O nosso Messias moderno trocou o cajado por uma moto 1200 cilindradas, o sermão do monte por lives de gabinete, e ovelhas… bem, ele preferia gado. Gado fiel, ruminante, patriota.
Mas como todo Messias que se preze, Jair também enfrentaria seu calvário. E ele começou, como manda a tradição, pelo intestino.
Entre uma obstrução intestinal e outra, o homem se viu carregando a própria cruz — ou melhor, empurrando o soro hospitalar pelos corredores de semi-UTIs, a última delas em S.Paulo. A cada internação, um apóstolo desertava. A cada enema, um traidor se revelava.
Waldemar Costa Neto, o apóstolo da planilha, aquele que sempre beijou a mão do mestre em troca de ministérios, virou Judas. Não por trinta moedas, mas por uma planilha de 17 milhões e a promessa de impunidade. Disse que o partido precisava “seguir em frente”. Traduzindo: “Vai com Deus, mas sem fundo eleitoral.”
Tarcísio de Freitas, o governador de São Paulo, lavou as mãos. Disse-se técnico, gestor, estadista — como se o estadismo fosse incompatível com o bolsonarismo. Tarcísio, o Pôncio do Palácio dos Bandeirantes, enxugou a alma com álcool em gel e entregou o Messias à própria sorte: “Que o povo decida”, disse. E o povo… se dividiu entre lenços verde-amarelos e memes com fezes.
Aos pés da cruz, quem soluça é Rodolfo Nogueira, o gordinho do bolsonarismo regional. Choroso, com a bandeira do Brasil no melhor estilo sargento Prates amarrada ao pescoço, como uma capa de super-herói frustrado, pede para sua Gianni fazer o papel de Maria Madalena. Ela, vaidosa, posa sorrindo, retocando o batom com um crucifixo de bijuteria ao fundo.
E o Messias, lá do alto da cruz midiática, olha para Alexandre de Moraes, para Barroso, para o STF inteiro, e solta com a voz fraca, mas ainda com fôlego para o drama:
“Perdoa, Xandão… eles não sabem o que fazem.”
O corpo do Messias é depositado no sepulcro — neste caso, um conjunto de inquéritos no Supremo. As redes sociais se calam por três dias. Telegram vira deserto. A última live é assistida por apenas 12 mil fiéis (ironicamente, o número dos apóstolos).
E então… no terceiro mês, alguém jura tê-lo visto em Miami, de short e sandália, caminhando sobre as águas de uma piscina de resort. Outro garante que ele apareceu em Dourados, numa reunião com ruralistas organizada por Gino Ferreira, presidente do Sindicato Rural. Mas o momento decisivo será quando Magno Malta, o Tomé evangélico, tocar o dedo na ferida política:
— És tu mesmo, Mestre? Voltaste? Estás pronto para 2026?
O Messias apenas sorri e sussurra:
— “A missão ainda não acabou… mas se puder, me arruma uma fraldinha geriátrica, porque essa ressurreição não é mais como antigamente.”
E assim segue a saga do Messias motorizado, lembrando as idas ao hospital, traidores de ocasião e ressurreições eleitorais, sempre acompanhado de seus fiéis — alguns ainda em carne, outros apenas em pix.
Precavida, a esquerda já passou um zap para o São Pedro celeste, mandando preparar a recepção.
Já estou vendo a cena: o mestre de cerimônia, Rolando Lero, de terno branco, óculos escuros, abanando com uma folha de parreira celeste, e dizendo:
— “Sim, sim, sim, ilustre Messias, aqui estamos nós, eu, o professor Raimundo, e até o Justo Veríssimo, que diz que não quer mais voto de ninguém, só paz eterna!”
Enquanto isso, o Mestre chega num triciclo angelical, conduzido por São Pedro — que também lavou as mãos, mas porque acabou de limpar o portão do céu, abarrotado de fake news tentando entrar como verdade divina.
Lá embaixo, Waldemar ajusta o espelhinho retrovisor do partido, Tarcísio finge que nunca conheceu o homem, e Rodolfo Nogueira chora em latim improvisado:
— “Bolsonarus, Bolsonarus, quare dereliquisti nos?”
E quando, enfim, o Messias da motociata deu seu último suspiro — entre um soluço patriótico e um arroto de leite condensado — os céus se abriram como na mais bela live de quinta-feira. Adentrou o paraíso sobre uma Harley celeste, sem capacete, conduzido por um anjo com cara de PM aposentado. Rolando Lero, de batina improvisada e crucifixo do Brás, correu ao seu encontro e anunciou:
“Salve, salve, excelso libertador das cercas elétricas! O professor Raimundo já preparou sua mesa, Justo Veríssimo mandou imprimir os boletos da fé e até Dercy Gonçalves pediu silêncio em sua homenagem!”
E foi nesse instante que o Messias olhou para a Eternidade, deu um joinha, coçou a barriga com a bandeira do Brasil e murmurou:
“Pai, perdoa-os… mas da próxima vez, manda um Twitter mais claro.”
“Até porque, para Bolsonaro, se pecado capital cometeu em sua passagem terrena, o único — e talvez o mais grave — foi o assassinato da língua do companheiro Trump, em plena Avenida Paulista. Do alto do trio elétrico, com um papelzinho tremendo nas mãos, recitou em inglês macarrônico a sentença que entrou para os anais da bizarrice mundial: ‘Popcorn and ice cream sellers sentenced for coup attempt in Brazil.’
O vexame foi tanto que virou música. E meme. E meme da música. E, claro, mais um capítulo do Evangelho segundo o Messias do Gado.”