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segunda-feira, maio 5, 2025

Projeto de anistia do 8/1 ‘tem como objetivo beneficiar os mentores’ da trama golpista, diz Gilmar Mendes

Ministro do Supremo Tribunal Federal afirma que penas aplicadas aos condenados pelos atos às sedes dos Poderes não deverão ser revisadas

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Decano do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Gilmar Mendes tem sido um dos interlocutores do Congresso nas discussões sobre o futuro dos condenados pelos atos golpistas do 8 de Janeiro. Em entrevista ao jornal O Globo, o magistrado diz que o movimento pró-anistia impulsionado pelo partido de Jair Bolsonaro tem como pano de fundo beneficiar os mentores da trama antidemocrática. Dentre eles, está o próprio ex-presidente, entusiasta da proposta de revisão das penas e réu por arquitetar um plano para reverter a derrota nas eleições em 2022.

— A minha experiência política, nesses anos todos, revela que esse projeto só tem impulso com o objetivo de beneficiar os mentores — afirma o ministro do STF, que está há mais de duas décadas na Corte.

Em resposta às críticas das penas aplicadas pelo STF aos condenados pelos atos golpistas do 8 de Janeiro, Gilmar pontua que acredita que a Corte não revisará os julgamentos. Segundo ele, “o que poderá haver é a análise de situações individualizadas que justifiquem a progressão, que já está prevista na legislação, ou a aplicação de prisão domiciliar”. O ministro destaca ainda que tem mantido diálogo constante com o Congresso e que “tem muito espuma” nessa discussão.

Como o senhor vê a pressão para o STF discutir a redução das penas para os condenados e denunciados pelos atos golpistas do 8 de Janeiro?

As pessoas estão minimizando aquilo que ocorreu. Se viu nessa investigação que havia ameaças muito sérias, inclusive de matar pessoas. Então, não estamos falando de um passeio no parque. É algo grave. Nossa missão é esclarecer que não se trata de algo banal. É claro que essas pessoas foram instrumentalizadas, mas obviamente elas se deixaram instrumentalizar. Há uma discussão sobre a possibilidade de aplicação da progressão da pena, que é natural. Certamente muitos já são beneficiados ou serão beneficiados pela progressão. Já houve decisões em vários casos sobre prisão domiciliar e imagino que esse trabalho vai ter continuidade. As pessoas não falam, por exemplo, que mais de 500 foram beneficiados por acordos de não persecução penal. Eu mesmo recebi há algum tempo um apelo do bispo da minha cidade para olhar um caso de uma pessoa do Paraná que eu reconhecia. Mandaram um calhamaço de assinaturas. Era uma pessoa religiosa, e eu fui olhar o caso para tentar entender. E ele é visto, filmado, com algum tipo de instrumento quebrando coisas dentro do espaço do Supremo.

No julgamento da mulher que pichou a estátua de batom, o ministro Luiz Fux disse que o STF examinou os primeiros casos do 8 de janeiro “sob forte emoção”. O senhor concorda com essa visão?

Não concordo. Não acho que nós sejamos pessoas submetidas a fortes emoções. Normalmente, não é o nosso caso. É evidente que era um fato muito grave. Eu mesmo acompanhei, acho que na gestão ainda do ministro Fux, aquela descida da rampa pelos manifestantes, aquele 7 de setembro de 2021. Vimos todo o risco. Eu imaginava que se essas pessoas tivessem rompido aquela barreira do Itamaraty e acessado a Praça dos Três Poderes poderiam eventualmente invadir o Supremo. Certamente, ele deve ter memórias disso. O STF entendeu de fazer o rigor que era necessário, porque também não é todos os dias que você tem esse tipo de ensaio. Nós já vimos manifestações graves dentro de ministérios, no próprio Congresso Nacional, pessoas se acorrentando, mas com essa dimensão foi a primeira vez. Dentro de um quadro extremamente preocupante, com omissão da polícia, é todo um conluio que justificava os temores que depois foram infelizmente confirmados, que se tratava de uma trama. A turba agiu esperando que houvesse outras ações dentro de uma sequência, dentro de um processo.

O STF pode revisar as penas dos condenados pelo 8/1?

Eu não espero que isso se dê. O que poderá haver é a análise de situações individualizadas que justifiquem ou progressão, que já está prevista na legislação, ou a aplicação de prisão domiciliar em casos previstos na lei.

O presidente da Câmara, Hugo Motta, tem tentado buscar uma solução para a proposta de anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro. O senhor falou com ele sobre isso?

Temos conversado com alguma frequência e ele tem sido sempre muito ponderado e respeitoso para com o Tribunal. Então, vamos aguardar os possíveis desdobramentos dessas conversas. Vamos aguardar. Temos um ambiente institucional muito tranquilo. Tem muita espuma, mas nós estamos num momento de bom diálogo dos Poderes, do Supremo com o Congresso. Temos muita interlocução com o Davi Alcolumbre [presidente do Senado], com Hugo Motta e com a Presidência da República.

Há elementos para o STF declarar inconstitucional o projeto de anistia do 8/1?

É uma questão grave quando nulifica, dentro de um quadro de absurda normalidade institucional, decisões dos tribunais, e isso acaba sendo um estímulo para novas práticas desse mesmo jaez.

Responsável pela articulação política do governo, Gleisi Hoffmann deixou claro numa fala pública recente que o Planalto está à mesa com o Congresso negociando uma solução para a anistia do 8/1. O que o senhor achou disso?

Ela já fez uma retificação. Obviamente que ela é articuladora política do governo e pode estar conversando com o Congresso Nacional. São temas sensíveis, e essa questão também é muito sensível na nossa perspectiva.

De que forma o projeto de anistia do 8/1 pode beneficiar os mentores intelectuais da trama golpista?

A minha experiência política, nesses anos todos, revela que esse projeto só tem impulso com o objetivo de beneficiar os mentores. Veja que a sua própria nascença e impulsionamento está associado à conclusão das investigações e ao oferecimento da denúncia nesse processo. Então, ainda que o melhor invólucro seja a Débora do Batom, para supostas justificativas de exageros do Supremo, o projeto tem outra mira. Não podemos minimizar se pensamos em matar o presidente da República [Lula], o ministro do Supremo [Alexandre de Moraes], o vice-presidente da República [Geraldo Alckmin], eliminar a cúpula do Poder Executivo. Não sei se podemos imaginar fatos mais graves do que esses. Imaginemos que eles tivessem tentado ou exercido parte desta execução. Onde estaríamos hoje? Certamente nos culpando de não termos nos prevenido. É algo de profunda gravidade. Nestes 40 anos de democracia que nós estamos celebrando agora, nos últimos anos, não há nada assemelhado. O que caracteriza a democracia, entre várias questões, é a aceitação do resultado das eleições e a possibilidade de alternância de poder.
Na medida em que alguém perde a eleição e não aceita a alternância de poder, encerrou-se o ciclo democrático tal como nós o conhecemos. Adversários não são inimigos. Essa é a lógica. Tanto é que aquela ação do PL foi criticada de A a Z, em termos de ambiente político e jurídico. Porque ele pedia anulação apenas dos votos para o presidente da República, mas mantidas as bancadas eleitas para Câmara e Senado e de governadores. Então, é um quadro caricato, para se dizer o mínimo.

Pelo ritmo atual, o senhor acha que é possível julgar o caso envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro ainda neste ano?

Sim, mas vamos aguardar.


O ministro Alexandre de Moraes disse em entrevista à revista New Yorker que acha difícil e remota a possibilidade de Bolsonaro reverter no STF a inelegibilidade imposta pela Justiça Eleitoral. O senhor concorda com ele?

Se olharmos os casos de discussão e decisões do TSE [Tribunal Superior Eleitoral], são raros os casos de reversão. Mas vamos aguardar.

A partir de 2027, o Congresso pode ter mais parlamentares conservadores eleitos. Como isso afetaria a relação do Congresso com o STF no futuro?

Nós temos tido já agora um Congresso mais conservador. Ao longo dos anos, sempre lidamos com pessoas de diferentes perfis em um ambiente de diálogo. Espero que no futuro também, seja qual for a maioria, vamos continuar tendo esses diálogos. Acho que o fundamental é que nós tenhamos apreço pelos valores da democracia constitucional e das instituições. Isso é fundamental.

O STF tem relatado inquéritos que apuram suspeita de desvios de emendas parlamentares. Qual a extensão e a gravidade desses casos?

Temos de examinar. Há casos que estão em tramitação. Eu tenho um caso relativo a emendas do Estado do Ceará. Mas há vários colegas com outros inquéritos. Houve até uma denúncia recente oferecida pelo procurador-geral da República em relação a um parlamentar que também era ministro de Estado. Mas também não posso dizer que se trata de algo generalizado. Temos de examinar. Mas imagino que até as medidas que já foram tomadas vão servir de medidas preventivas, talvez em relação a eventuais abusos que tenham ocorrido. A ideia é de acabar com o modelo secreto das emendas Pix. Então, acho que é possível que haja uma evolução. Acho que é no interesse de todos que haja procedimentos mais seguros nessa matéria. Ninguém quer deslegitimar a participação dos parlamentares no processo de emendas. Acho que no futuro nós vamos ter de rediscutir esse modelo das emendas impositivas e buscar algum tipo de novo equilíbrio.

O senhor determinou a suspensão de todos os processos que discutem na Justiça a contratação de trabalhadores que atuam como pessoa jurídica em prestação de serviços. Por que o senhor tomou essa decisão?

Estão se acumulando contradições a propósito dessa temática. E nós estamos acumulando reclamações no STF, gerando debates em torno desse assunto. A mim parece, então, que é fundamental que nós nos entendamos sobre isso e possamos ter um diálogo na Corte e, eventualmente, um diálogo com a própria Justiça do Trabalho. Porque nós temos proferido várias decisões. Então, me pareceu que essa era uma questão importante. Todos nós clamamos por segurança jurídica. Não devemos ser nós, do Judiciário, que produzamos insegurança jurídica. É bom que nós estabeleçamos algum tipo de coerência e integridade nas nossas decisões.

Mariana Muniz e Thiago Bronzatto/O Globo — Brasília

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