No Brasil de hoje, Tiradentes seria chamado de “extremista”. Talvez fosse alvo de fake news nas redes sociais, acusado de tramar contra a democracia ou de pregar o comunismo disfarçado de República. Quem sabe até fosse fichado no COAF por ter ideias demais e patrimônio de menos.
Sim, estamos em 21 de abril. Feriado nacional. Dia da Inconfidência Mineira. Dia de lembrar que o país nasceu a fórceps — e que os poucos que ousaram desafiar o absolutismo colonial, como o alferes Joaquim José da Silva Xavier, pagaram com a própria vida. Tiradentes morreu por sonhar com um Brasil livre. Os de hoje vivem — e muito bem — por se venderem como fiéis escudeiros de um Brasil rendido.
Vivemos uma era de inconfidência às avessas. A traição já não se esconde nos porões. Ela se senta nas cadeiras do Congresso, sorri para selfies em plenárias, desfila nos púlpitos das igrejas e se orgulha da própria esperteza.
A tribuna dos grandes discursos virou biombo de conveniências. Ulysses Guimarães calava a Câmara com sua autoridade moral. Theotônio Vilela emocionava o país com sua decência. Pedro Simon e Paulo Brossard escreviam a história com caneta tinteiro e vergonha na cara.
Hoje, temos Nelsinho Trad negociando emendas como quem troca figurinhas, e Vander Loubet calculando apoios como quem faz conta de açougue.
As emendas — muitas vezes secretas — são o novo açúcar das capitanias. A diferença é que agora os senhores de engenho se chamam “líderes de bancada” e o ouro, que antes ia para Lisboa, agora vai para o bolso de quem sabe pressionar, barganhar, distribuir — mas nunca explicar.
É o orçamento como arma, a verba como voto, a política como escambo. A democracia foi sequestrada por um bando que diz representar o povo, mas só conhece o povo através dos relatórios de marketing eleitoral.
E pensar que Lula, em seus tempos de bravura sindical, denunciava os “300 picaretas com anel no dedo” que infestavam o Congresso. Pois bem. Hoje são mais de 500. Alguns com alianças douradas, outros com tornozeleiras eletrônicas. Todos, porém, com acesso à chave do cofre. E ao silêncio da base aliada.
Se há algo mais obsceno que as emendas secretas, é o orgulho com que seus autores as anunciam — como se tivessem tirado o dinheiro do próprio bolso e não do erário já arrombado. Como se distribuir milhões fosse sinônimo de eficiência política, e não de chantagem institucionalizada.
Pior ainda é ver a direita bolsonarista, travestida de patriota, aplaudir um golpe que só não deu certo por absoluta incompetência de seus executores. Um bando que grita “Deus, Pátria, Família” enquanto implora por anistia, abrigo internacional ou perdão divino — o mesmo que negam a quem pensa diferente.
Vivemos a República da Emenda, sob a tutela do Centrão e a bênção de um presidencialismo de conveniência. A verdadeira traição não está mais nos quartéis, mas nas comissões temáticas. Não se dá com armas, mas com pix.
Senhores parlamentares: Quando se vangloriam dos “milhões para as comunidades” sem mostrar onde e como, não estão fazendo história. Estão nos repetindo, como farsa.
Quando preferem o sigilo à prestação de contas, não são representantes do povo. São cúmplices do saque. Quando trocam o discurso pela planilha, matam a política e enterram a esperança.
Neste 21 de abril, o Brasil não precisa de mártires. Precisa de memória. De lembrar que traidor da pátria não é só aquele que vende segredos à nação inimiga. Traidor da pátria é também o que compra votos com verba oculta, que lucra com a miséria que deveria combater, que transforma o poder num fim em si mesmo.
O enforcamento de Tiradentes não é apenas uma mancha no passado. É um alerta para o presente. E uma pergunta incômoda para o futuro:
Quantos mais precisarão ser sacrificados para que este país, enfim, aprenda a honrar seus heróis — e a expulsar seus canalhas?