Morreu Francisco. E, com ele, cala-se uma das últimas vozes universais que ousavam falar de justiça sem medo de desagradar banqueiros, militares, fundamentalistas e oportunistas de todas as espécies. Morreu o homem que usava batina, mas caminhava com sandálias. O que falava como teólogo, mas agia como profeta. Um dos poucos capazes de dizer “não” ao poder — e ser ouvido.
Num mundo em que a extrema direita sobe a rampa do poder de mãos dadas com CEOs de redes sociais e pastores de algoritmos, a ausência de Francisco não é apenas simbólica — é estratégica. Os progressistas, já sem chão desde o colapso das utopias socialistas e o esfarelamento dos partidos de esquerda, agora perdem mais que um líder espiritual: perdem um eixo moral, um último pilar ético com apelo popular.
Francisco falava aos pobres, mas também aos poderosos. E isso o tornava perigoso. Ele denunciava o sistema financeiro como máquina de exclusão. Conclamava o cuidado com a Casa Comum, enquanto governantes negacionistas incendiavam o planeta em nome do lucro. Criticava o clericalismo enquanto acolhia transexuais, divorciados, ateus. Ele apontava para uma Igreja que abrisse janelas, não trincheiras.
E justamente por isso, sua morte cai como um golpe — não na Igreja, mas no mundo.
O que resta aos progressistas, agora órfãos de Francisco, é um campo esvaziado de lideranças com autoridade moral. A esperança anda fragmentada: uma Greta aqui, um Mujica acolá, uns pensadores esparsos tentando reacender tochas em meio à ventania.
E nesse cenário de sombras, um nome ressurge — não como profeta, mas como sobrevivente: Luiz Inácio Lula da Silva.
Lula, o operário que virou presidente, voltou ao poder num Brasil em frangalhos, tentando reconstruir pontes em meio aos escombros deixados pela barbárie bolsonarista. Para parte do mundo, ele ainda é um símbolo da resistência democrática. Mas a aura de 2003 não o acompanha em 2025. O tempo mudou. A política mudou. O povo mudou.
Francisco denunciava o capitalismo como pecado estrutural; Lula negocia com ele para governar. Francisco clamava pelos pobres como prioridade do Reino; Lula tenta conciliar o Bolsa Família com superávits primários. Francisco desafiava impérios com palavras simples; Lula precisa escolher cada verbo para não tropeçar nas coalizões do real.
E, no entanto, é sobre ele que recai agora a expectativa de que a esquerda global ainda tenha alguma chance de se reinventar. Sem Francisco, sobra a Lula — e a poucos outros — a tarefa de não deixar o mundo inteiro afundar em silêncio.
A extrema direita segue seu curso: disciplinada, articulada, marqueteira. Vende o medo como patriotismo. Vende a exclusão como moralidade. Vende a violência como defesa da família. E encontra eco num mundo cansado, ressentido, inseguro.
Se há uma guerra em curso — e há — ela é simbólica. É narrativa. É espiritual, no sentido mais profundo do termo. E agora que a voz de Francisco se cala, quem ocupará o púlpito vazio? Quem ousará pregar a compaixão em praça pública, sob risco de ser crucificado como “comunista”?
O Papa morreu. A extrema direita vive seu apogeu. Lula, apesar dos limites e contradições, permanece em pé. Mas até quando?
Talvez o futuro nos diga se essa ausência será luto… ou renascimento. Esperança… ou epitáfio.