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domingo, maio 4, 2025

A onça ‘assassina’, o peão ‘assassinado’ e o Touro Morto

O caseiro José Ávalos é a mais recente vítima de uma onça, no Pantanal do MS

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O Pantanal sul-mato-grossense voltou ao noticiário nesta semana, não por iniciativas de preservação ou por pactos ambientais efetivos, mas porque uma onça pintada resolveu dar seu próprio recado. E foi direto: atacou e matou um peão pantaneiro, José Ávalos — um homem que, ironicamente, provavelmente nada tinha a ver com os incêndios que consomem o bioma, mas que pagou com a vida pela desordem imposta à natureza.

Uma das suspeitas já foi capturada e levada ao CRAS — o Centro de Recuperação de Animais Silvestres, no coração do Parque dos Poderes, em Campo Grande. A ironia é de um simbolismo gritante: a selva sendo julgada pelos mesmos homens que a devastam. Já colhem as impressões da onça, farão fotos e, talvez — quem sabe — seu caso chegue às mãos do ministro Alexandre de Moraes, para garantir o devido processo legal. Vai para a Papuda? Recebe tornozeleira e vai pra casa? Ou melhor: para a jaula?

Esse episódio brutal revive outro símbolo trágico e pantaneiro: o “Touro Morto”. Por conta de uma citação a ele como lugar perfeito para a aposentadoria política, uma eleição histórica selou a derrocada de Pedro Pedrossian, mito pantaneiro vivo da política regional. No debate do segundo turno de 1998, contra Zeca do PT, o velho “Homem de Miranda”, eternizado na poesia de Renato Teixeria, menosprezou o confronto ao dizer, diante das câmeras da TV Morena, ao vivo, que preferia o descanso de seu pesqueiro — ali mesmo, na região. “Onde?”, perguntou, zombando da arena. No mesmo Touro Morto.

O todo-poderoso Pedro Pedrossian perdeu aquela eleição. E o local onde jazia o touro virou símbolo da decadência — não apenas da carreira de um político, mas da própria política, feita de costas para o povo e de frente para o espelho.

Hoje, o Touro Morto virou altar de desgraças. Nele, sepultam-se promessas, biomas, lideranças e gente comum. Enterram-se esperanças — como a do peão José Ávalos, que só queria seguir seu ofício sob o sol do Pantanal. Enterram-se também os compromissos com a verdade e com a preservação de um dos ecossistemas mais ricos — e mais ameaçados — do mundo.

Entre o touro morto, o peão devorado e a onça acuada — e agora acusada — resta o Pantanal: transformado em espetáculo, esquecido nos bastidores da política, alimentando manchetes enquanto agoniza em silêncio.

Mas que ninguém se engane: essa crônica não é sobre bichos selvagens. É sobre os humanos — os que mandam, os que calam e os que morrem. Inclusive, politicamente, por mais poderosos que sejam, como Pedrossian, por desdenhar da sabedoria popular.

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