Depois de mais um piripaque — tão ou mais assustador que a última ameaça de infarto lá de trás —, na madrugada do último sábado, deitado numa caminha do Pronto Socorro do Hospital Cassems, onde meus pés mal cabiam, dependurados, fiquei a pensar no que levar na mala para o outro lado.
Sim, já me aproximando dos 7.1, não tem como não pensar nisso, nessas horas. Meus livros? Mas como, se no aerobus não há nem bagageiro? Talvez um conhecimento razoável para o recomeço, quem sabe. E, claro, lembranças. Muitas lembranças. Dos familiares, dos amigos queridos, e também — sobretudo — das mulheres queridas e perfumadas que me deram filhos e netos maravilhosos.
Agora, essas lembranças ancoram-se ainda mais no rostinho do neto mais lindo do mundo: o recém-chegado Oliver, filho do meu número 3, o Rodrigo, com a Isabella.
Cabendo isso tudo, já chegaria lá mais faceiro que nunca. Certamente haveria confusão na chegada: meus pais, seu Waldemar e dona Elvia, se acotovelando na portaria de São Pedro, e tantos outros parentes e amigos correndo para saber notícias do Planeta. Especialmente agora, tempos em que Donald Trump ameaça desatar o tão temido apocalipse. Mais, claro, como essas coisas estariam repercutindo na terra de seu Marcelino, já que todos já estivessem suficientemente bem informados com a recém-chegada de Francisco. Pobre Francisco! Deve ter desembarcado com o lombo ardendo, de tanto cacete que levou dos covardes direitistas, que nem respeitaram seu desencarne para enxovalhá-lo.
Como bálsamo, veio-me à mente o poema de abertura de um livro do meu não menos querido e perfumado amigo, o imortal presidente da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, o incomensuravelmente gentleman Henrique de Medeiros.
Para quem entende das letras, nem seria preciso tanta churumela para se chegar à causa de mais um faz-que-vai-mas-não-vai: a constante busca pelos nadas em busca dos tudos.
Respeito, reverência e reflexão, pois, com a escrita que assim principia — em palavras minúsculas e recuos de quem sabe dar ênfase como um bom carnavalesco —, o cara que, não à toa, carrega no nome a diplomacia: Henrique Alberto de Medeiros Filho:
astroluz clareja minha face
sob meus pés
navegar aéreo
passos sobre nuvens fechadas
sobre plagas ínfimas de terras sujas
planos insanos
indecifráveis identidades
vapores das águas
sopro das areias
correrias dos ares
na caixa do idealizar
carnes e ossos perdidos
transparências de galáxias se astros
energias desorientadas
dedos mágicos desenham
interpretações nas extremas fronteiras
essências escurecem feições
binóculo não vê milímetros