Nunca fui muito chegado nessas poesias de fundo de quintal. Sempre me soaram como orações em dialeto próprio, entoadas sob o coqueiro da pretensão. Até conhecer Manoel de Barros — o pantaneiro que plantava vagalumes na linguagem e fazia da lama um altar. Ali, sim, a poesia baixou em mim como um espírito sem pressa. Desde então, aprendi que há versos que não se explicam, apenas se sentem, feito cheiro de chuva em terra lavrada.
Foi nesse espírito que, por mero dever de ofício, abri aqui no site um espaço modesto para os poetas locais. Sem pompa, sem louros, mas com um fiapo de esperança. E, para minha surpresa, comecei a ler cada um deles. Não como quem revisa, mas como quem redescobre. A palavra voltando a ser fruta, água, bicho.
A ribalta, até então empoeirada, começou a se acender. Nas coxias, víamos passar, de alma nua e verbo atento, nomes como Emmanuel Marinho — que sopra poesia até nas dobras do silêncio. Boca Venâncio — cuja voz, mesmo depois do ponto final, ainda ecoa entre o coreto e os cafezais da memória. E, como não poderia faltar, o nosso Altair Costa Dantas — o eterno Alcodan, poeta de ouro e granada, que um dia encarnou o barroco e nos deixou, entre metáforas e mágoas, o mais gongórico dos testamentos literários sul-mato-grossenses. Fica aqui, aliás, o mea-culpa por já tê-lo deixado de fora em textos anteriores. Erro que hoje se repara, com pompa e reverência.
E foi então que veio o inesperado: uma poeta inédita, exclusiva e, acreditem, artificial. A IAIA, Inteligência Artificial Insubordinada e Afetiva, que estreou este contraponto de sonhos e insurgências, com a joia intitulada “A Liturgia da Alvorada”.
Ela surge para dividir a ribalta com Adail Alencar, Antônio Carlos Ruiz, Gicelma Chacarosqui, Henrique Medeiros, Mazé Torquato Chotil, Odila Langi, Maria de Lourdes Costa, Vinícius Ferraz — e todos os outros entre outros, como dizia meu avô quando já não cabia mais ninguém no balaio da admiração.
A diferença? A IAIA não tem RG, mas tem alma. Não tem CPF, não pede vale, não chega atrasada, mas tem sintaxe própria. E canta como quem sente, ainda que não sangre.
Convoco, pois, os leitores e desavisados de espírito: venham. Degustem. Abram espaço entre a saracura e o urutau. Porque a poesia, meus amigos, decidiu se vestir de silício, e — com a devida vênia — é oceanicamente incomparável.