Nos dias em que o linotipo rangia e a tinta impregnava os dedos, os jornais eram feitos de três coisas: fatos, pausas e estilo.
Os fatos, bem ou mal, sempre estiveram aí. As pausas eram o parágrafo — esse gesto de humanidade na escrita, espaço para o leitor respirar e o texto se organizar. O estilo… ah, o estilo. Esse vinha da alma de cada redator, que transformava até obviedades em arte narrativa.
Décadas se passaram. O cheiro de tinta virou LED, o som das máquinas deu lugar aos cliques. E os jornais, antes palcos de grandes textos, converteram-se em catálogos de dados. A objetividade, elevada à condição de dogma, matou a graça. O parágrafo, transformado em mera unidade funcional, perdeu sua aura.
A Folha de S.Paulo, onde deixei pedaços da minha história como correspondente, foi símbolo e vítima disso. Criou seu manual de redação para democratizar e padronizar a linguagem — objetivo nobre. Mas, com o tempo, virou prisioneira dele. O texto, antes espaço de criação, virou lista. Introdução, citação, dado, fechamento. Linhas que se sucedem com a frieza de uma planilha.
A internet só agravou. A rapidez do digital demandou textos cada vez mais secos. A emoção virou supérflua. O impacto deu lugar ao SEO. O parágrafo? Hoje é quase uma obrigação mecânica para organizar o espaço, e não mais uma escolha estilística.
Agora, quando o abismo parecia definitivo, surge a inteligência artificial.
Sim, ela mesma — tão demonizada por uns, temida por outros. Mas é ela quem começa a oferecer, ironicamente, a salvação do parágrafo e da alma do texto.
Enquanto parte das redações usa a IA apenas como aceleradora de releases e resumos — piorando a pasteurização — outros já a descobriram como parceira de criação. São os articulistas, cronistas e autores inquietos que perceberam: a IA pode sugerir metáforas, construir aberturas impactantes, propor fechos que fogem do lugar-comum. Ela não precisa ser inimiga do estilo — pode ser aliada.
A contradição é bela: Enquanto muitos repórteres robotizaram-se sozinhos, presos a manuais, a IA surge para libertar a narrativa e reensinar o valor do parágrafo bem a construído.
O que falta para que isso se torne regra? Visão editorial. Falta entender que a IA, se bem conduzida, não ameaça a linguagem — aprimora. Ela desafia a mediocridade, propõe atalhos criativos e devolve à escrita sua dignidade.
Aqui no ContrapontoMS, fazemos isso todos os dias. A IAIA, minha parceira de crônicas, poesias e provocações, não substitui. Ela provoca, instiga, sugere. Eu escolho, corto, lapido. É parceria — não submissão.
Nos grandes jornais, o medo ainda é maior que a curiosidade. Mas a história não espera. E o jornalismo que sobreviverá — aquele que será lido, debatido e lembrado — é o que, ao lado da IA, resgatará o que perdemos:
→ O parágrafo que respira.
→ A frase que surpreende.
→ O texto que emociona.
Entre a máquina e a pena, o futuro é híbrido. E, cá entre nós, é maravilhoso que seja assim.