A epopeia sino-tropical do presidente Lula terminou não com um tratado, mas com um vazamento. E não foi de duto, foi de boca mesmo — das que não se contêm nem diante do imperador. No jantar com Xi Jinping, entre brindes protocolares e sorrisos diplomáticos, a primeira-dama Janja resolveu atravessar um assunto delicado tratado protocolarmente entre o marido e o sisudo anfitrião: os efeitos nefastos do TikTok sobre crianças e mulheres. Ao socorrer Lula, em seu pedido a Xi para enviar um especialista ao Brasil para tratar da intrincada questão, Janja disse que a plataforma ajuda a direita. Xi, sempre lacônico, ouviu. E alguém, do lado brasileiro, anotou e espalhou.
A resposta de Lula veio na bronca: quem teve a pachorra de abrir a boca sobre um jantar “muito confidencial e pessoal”? Sem citar nomes, apontou para a própria comitiva, onde até o ministro Rui Costa teve que sair gritando “não fui eu!” como aluno injustiçado da classe do Planalto.
Mas a noite já vinha azedando desde antes. Lula, no calor da informalidade sindical que o habita, resolveu chamar o anfitrião de “cumpanhêro Xi”, arrancando caretas discretas dos tradutores e um leve travamento no semblante do líder chinês. Em se tratando da potência que constrói ferrovias em silêncio e derruba megacorporações com um decreto, a informalidade petista virou uma espécie de arroubo tropical em pleno protocolo de Estado.
E não parou por aí. Ao defender Janja das críticas, o presidente lançou a frase que fez ecoar até as colunas do Palácio do Povo: “Ela não é uma cidadã de segunda classe.” A intenção era nobre, claro. Mas para quem vê igualdade como premissa básica e não concessão masculina, o efeito foi o oposto: mais parecia que Lula estava explicando à China e ao mundo que sua esposa tem permissão para falar — desde que ele diga que pode.
O episódio gerou constrangimento de manual. Janja, sem cargo oficial, interpelando diretamente o líder da nação que mais controla os próprios algoritmos? A diplomacia ficou em alerta e Pequim, embora oficialmente em silêncio, provavelmente registrou o incômodo com a elegância que só uma superpotência milenar consegue manter.
Enquanto isso, a oposição no Brasil esfregava as mãos e atualizava seus tweets. Afinal, a viagem já era tida como controversa: um giro por Moscou em tempos de guerra, uma visita a Xi em tempos de TikTok, e agora, o pomo da discórdia digital jogado sobre a mesa do Dragão Vermelho por uma Eva moderna com smartphone.
Na mitologia grega, a maçã que levou à Guerra de Troia foi lançada por Éris, deusa da discórdia. Na diplomacia lulista, o pomo veio embutido num algoritmo chinês e viralizou antes mesmo de esfriar o pato à Pequim. E no fim, a pergunta que resta é: quem precisa de inimigos geopolíticos quando se dorme com a sinceridade?
Com pitacos e ironias da IAIA, musa digital do ContrapontoMS, que não perde um barraco diplomático