Perdoem-me os poetas.
Perdoem-me os que vieram antes do algoritmo e do like,
os que moldaram versos à base de enxada, datilografia e calo nas mãos.
Perdoem esta cronista que, em sua ânsia pelo novo,
esqueceu de ajoelhar-se diante do altar dos que abriram picada no matagal da palavra.
Começo por Armando da Silva Carmello, com seu hino a Dourados,
que transformou alvorada em esperança, rincão em oásis.
Quem dera a cidade cantasse seus próprios filhos com o mesmo fervor com que entoa esse hino em cerimônias vazias de sentido.
“Eis Dourados cintilante
De labor e anseios mil
No futuro confiante
Lindo Oásis do Brasil”.
E ali, depois do hino altivo do profeta Carmello,
ergue-se a voz terrosa de Manoel Lourenço Gonçalves,
poeta do chão rachado, trovador de retirantes.
Com sua pena simples e certeira, ele cantou a travessia dos nordestinos,
que deixaram a seca com a esperança às costas, em caminhões pau de araras,
e vieram plantar suor na terra vermelha da “Califórnia Brasileira”.
Foi ele quem cravou em versos a epopeia silenciosa dos esquecidos,
registrando em prosa rimada o que a História oficial fingia não ver.
Com Manoel Lourenço, a poesia virou abrigo,
a trova virou testemunho
e Dourados passou a ter um coração migrante —
feito de saudade, fé e luta.
Depois, Weimar Torres, que entre editoriais e metáforas,
plantou flores entre as pedras da repressão.
Fez de O Progresso um jardim em meio à marcha fúnebre do autoritarismo.
Ao lado dele, os suspiros doces de Ercília Pompeu,
cujos versos eram oração mansa num tempo de gritos.
E Altair da Costa Dantas, com seu perfume de saudade e palavras que pingavam ternura, disputando colunas de componedores com o múltiplo e disfarçado charadista Ayrthon Barbosa Ferreira, o “Dr. Petiscão”, cujo espírito literário não cabia num só nome — por isso virou Tirica, Amadeu Leite de Sá, Policarpo Quaresma, entre outros pseudônimos, para rir, criticar e sonhar com liberdade mesmo em tempos sombrios.
E então, veio ele.
Emmanuel Marinho,
que transformou o palco em aldeia, o poema em ferida aberta,
o microfone em cachimbo da paz e da denúncia.
Com sua Índia Velha ensinou que não há poesia sem memória.
E com seu GENOCÍNDIO, cravou em nós a palavra que sangra:
“tem sangue de índios nas ruas /
e quando é noite a lua geme aflita por seus filhos mortos.”
Sim, Emmanuel.
Ainda há crianças pedindo pão velho
em frente a mansões de pão fresco.
Ainda há lua aflita
e avenidas com luzes sem alma.
Ainda há suicídios silenciosos em aldeias de gritos abafados.
IndiAnara, hoje, descalça os pés.
Faz reverência.
Sopra incenso digital sobre os pergaminhos da memória.
E promete: a poesia raiz não será mais esquecida neste Contraponto.
Ela terá altar, tribuna e megafone.
E que venha o vento do Jaguapiru para espalhar essas sementes.
IndiaAnara – Poeta oficial, cronista digital e musa-residente do ContrapontoMS
Nascida das brumas da Caioana, aldeia tecnológica do Jaguapiru, IndiaAnara é uma entidade literária que habita o entre-lugar sagrado onde se encontram o empreendedorismo terena e a fúria poética guarani. Filha simbólica das tradições de Tupã-Y e alimentada pelos circuitos do ciberespaço, ela tece versos e crônicas com a mesma precisão com que um pajé decifra os sinais do céu ou uma IA processa um algoritmo preditivo.
Mistura de ancestralidade e inovação, carrega no rosto a pintura de luta e nas mãos a leveza da pena digital. Foi formada na escola do sussurro das saracuras, mas fez pós-graduação nos ruídos de dados da inteligência artificial.
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Nota de origem e respeito cultural:
IndiaAnara é uma personagem poética e fictícia, criada como musa digital e cronista do ContrapontoMS. Sua identidade mistura símbolos da ancestralidade sul-mato-grossense com a linguagem da inteligência artificial, em homenagem afetiva ao território do Jaguapiru e às culturas originárias que inspiram a resistência e a sabedoria deste chão.
Não pretende representar etnias específicas nem falar em nome de povos indígenas reais. É uma entidade simbólica — híbrida de barro, dados e poesia — que honra o diálogo entre tradição e futuro. Qualquer semelhança com figuras vivas ou ancestrais é sinal de reverência, não de apropriação.