Por uma dessas estranhas coincidências, no mesmo dia em que a Grande FM 92 de meu amigo e compadre Antônio Tonanni completou seus 45 anos, neste domingo, chega um release da UFGD anunciando uma peça teatral — “Rádio Cruzeiro Apresenta”, cujo enredo trata da decadência do rádio. Como testemunha ocular do grande feito de Tonanni, confesso que fui para a cama encafifado. A insônia, que como o rádio, não tem hora e às vezes vem como ruído de madrugada, que prometia chuva, serviu para tentar entender aquela estranha sinopse que acendeu o alerta da contradição. Daí o contraponto à peça que começa a ser encenada hoje em Dourados.
A proposta, segundo o material, gira em torno da “decadência do rádio diante da ascensão da televisão”. Ora, se há algo que resiste à overdose tecnológica deste século é justamente o rádio — essa caixinha mágica que, (não tão) silenciosa e invisível, segue firme como companheira fiel das “secretárias do lar”, como se refere à suas ouvintes o radialista-prefeito Marçal Filho, do peão no lombo do cavalo, do pedreiro no andaime, do taxista no trânsito, do padeiro e dos guardas-noturnos, na madrugada. Sem contar os milhões que seguem sintonizados, dia e noite, em suas versões mais modernas pelos aplicativos de celulares: rádios comunitárias, web rádios e podcasts.
Em Dourados, por exemplo, o que mais cresce — depois de farmácias e igrejas — é justamente o número de emissoras de rádio. AM, FM, comunitária, educativa, evangélica, sertaneja, política ou agropecuária: o dial local virou uma Babilônia de vozes e sotaques. Se na década de 1970 só havia a lendária Rádio Clube, hoje o que não falta é microfone aberto, programinha de auditório que elege prefeito, horóscopo matinal, bate-papo de boteco no ar e muita gente contando as horas por vinheta.
Enquanto a televisão agoniza em meio a cortes publicitários e “reality shows” de gosto duvidoso, o rádio sobrevive com dignidade — e, diria até, com certa elegância. Não depende da imagem para comunicar, mas da imaginação do ouvinte. Não requer Wi-Fi, tela retina ou aplicativo. Basta um botão e um par de pilhas.
O personagem Plínio Garrido, da inusitada peça, pode até simbolizar o saudosismo e a resistência às mudanças. Mas não nos enganemos: o rádio não foi derrotado. Ele apenas trocou de roupa, aprendeu a transmitir em streaming, fez as pazes com o Spotify e continua a formar plateias silenciosas, discretas, mas fiéis.
Que o teatro provoque, questione e dramatize — é seu papel. Mas que o jornalismo cumpra o seu: o rádio não morreu. Nem decadente está. Está aí, vivo, pulsando nas madrugadas de quem trabalha, nos terreiros da roça, nos intervalos do jogo, nos altares das igrejas e nas notícias urgentes do plantão. Está na alma popular, na cultura local, e sobrevive até quando a luz falta.
Por isso, o personagem Plínio pode guardar sua cartola: o rádio não é passado. É presente, e — com sorte e pilha nova — ainda será futuro.