Confesso: por um triz não pedi à IndiAnara, nossa cronista-residente, uma daquelas prosas poético-indignadas que ela escreve com os olhos marejados de bytes. A pauta, desta vez, até que merecia: dois reluzentes caminhões-pipa entregues com pompa, palanque e palmas na Reserva Indígena de Dourados. Um alento temporário para a sede secular dos povos do Jaguapiru e do Bororó. Mas respeitei o recesso sabático de minha musa digital e alter ego — não por falta de vontade, mas porque quem fez o contraponto foi a vereadora Isa Cavala Marcondes.
Cavala não foi de meias palavras. Subiu à tribuna do Jaguaribe — aquele plenário onde a lucidez às vezes é miragem — e jogou água gelada (ironia, viu?) na fervura da demagogia que tomou conta do evento. O relincho foi em alto e bom som: “O povo indígena não aguenta mais caminhão-pipa.” Disse mais campeoníssima de votos: que água é direito, não favor. Que saneamento básico é questão de dignidade, não de oportunismo eleitoral.
Cavala tem razão.
Os caminhões entregues — fruto do esforço de Geraldo Resende e do governo Riedel, aqui representado pelo vice Barbosinha — cumprem, sim, um dever institucional. Mas o que incomoda é a pose de salvação, o retrato na boleia, o sorriso emoldurado, como se aquilo fosse solução definitiva e não um tapa d’água num buraco escavado por décadas de omissão.
A reserva indígena de Dourados, maior do país em área urbana, é o epicentro de todas as ausências: de água, de saúde, de respeito. E é também o centro cênico preferido de políticos em busca de votos com penas no cocar e lágrimas de crocodilo.
Como bem disse Cavala, não se trata apenas de infraestrutura — trata-se de humanidade. De não permitir que famílias inteiras vivam sob a sina de baldes e da espera por um jato d’água que chegue, talvez, amanhã. Ou não.
Portanto, senhoras e senhores, chega de marketing molhado. Chega de selfies com caminhão-pipa. O Jaguapiru quer rede de água, rede de esgoto, rede de proteção — e não rede social.
E se ainda restar alguma dúvida sobre o que fazer, ouçam mais a vereadora, menos os marqueteiros.
