Quando você acha que Jair Bolsonaro já disse todas as barbaridades possíveis, ele se supera. Mais uma vez, com o peito estufado, os olhos marejados de vaidade e o microfone segurado pelo campeão da heresia, Silas Malafia, o ex-presidente — que já é um ex de tudo, menos do deboche — voltou à Avenida Paulista para declarar: “Nem preciso ser presidente para mandar no Brasil. Me deem 50% da Câmara e do Senado e o resto eu resolvo… até do além.”
Sim, ele falou “do além”. E não era o Além Paraíba, muito menos algum resort bolsonarista em Dubai. Era o além mesmo, o plano espiritual, a eternidade dos trapaceiros, o brejo ideológico onde se reúnem almas penadas como Maluf, Enéas e aquele saudoso general que chamava aposentado de vagabundo.
Nem o espírito do Marechal Deodoro teve essa audácia.
Bolsonaro, que agora vive de pix e aplausos em frangalhos, ensaia o golpe pós-morte: quer governar como fantasma, tipo o Gasparzinho do Cerrado, pairando sobre o Congresso Nacional, sussurrando aos ouvidos de deputados de quinta categoria as instruções para infernizar a democracia. Uma espécie de Rasputin tupiniquim, só que sem barba e com cercadinho.
E ali, ao seu lado, como anjos decaídos de um evangelho fajuto, estavam Ginanni Nogueira, vice-prefeita de Dourados e aspirante ao Senado, e seu inseparável esposo, Rodolfo “o gordinho” Nogueira, deputado federal e mascote de luxo do bolsonarismo pantaneiro.
Ambos vestiam o uniforme completo da nova milícia eleitoral: camiseta com estampa do mito, sorriso ensaiado para a live do Bananinha, e um olhar que diz “o que tiver que ser, que seja em Brasília com salário, gabinete e assessores pagos pelo povo”.
A cena é patética e, ao mesmo tempo, carregada de simbolismo: a Avenida Paulista vazia, os gritos mais baixos, a retórica engasgada de um ex-presidente inelegível que ainda se imagina no comando do rebanho. Nem se Steven Seagal aparecesse por engano — achando que o evento era um encontro de ex-chefes da Yakuza — a avenida encheria como na primeira vez. O velho delírio de multidão murcha. O gado começa a despertar do transe. E quando a boiada pensa, o curral vira crise.
Mas Bolsonaro não desiste. Quer ser o presidente invisível. Um coach do caos. Um líder espiritual do fisiologismo, conduzindo o país do além com frases de efeito e rancor acumulado. Só faltou dizer: “Onde houver urna, que eu leve fake news. Onde houver CPI, que eu sopre emendas. Onde houver democracia, que eu plante dúvida.”
E como se não bastasse, ainda pediu pacificação entre os Três Poderes. Logo ele, que tentou derrubar dois e governar sem o terceiro. Foi como ouvir um incendiário oferecendo balde d’água depois de queimar a floresta.
Na prática, Bolsonaro só tem uma certeza: Não vai mais sentar na cadeira presidencial — nem na de rodas do Alvorada. Mas quer puxar os cordões, soprar o apito, mexer os pauzinhos da Câmara, do Senado e, se der, do Supremo também.
Pede 50% do Congresso. Pede fé. Pede silêncio. Pede mais uma chance.
E vai acabar pedindo música no Fantástico, quando for condenado na terceira instância. Ou na marcha dos zumbis da extrema-direita, que marcham, cada vez mais, em círculos.
Porque liderar do além, com um gordinho ao lado e uma vice-prefeita em campanha, é a nova modalidade de golpe: o golpe mediúnico. E como todo bom médium do populismo, Bolsonaro só fala com os mortos — de ideias, de caráter, de vergonha na cara.