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quinta-feira, julho 10, 2025

Visita de Lula a Cristina Kirchner cria tensão em cúpula do Mercosul com Milei

Justiça argentina autorizou encontro entre o presidente e a peronista, condenada a seis anos de prisão por corrupção e atualmente cumprindo regime de prisão domiciliar

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A segunda cúpula do Mercosul em que os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Argentina, Javier Milei, estarão juntos desde que o argentino assumiu o poder, em dezembro de 2023, será ofuscada pela visita que o brasileiro fará à ex-presidente argentina Cristina Kirchner (2007-2019), condenada a seis anos de prisão por corrupção e atualmente cumprindo regime de prisão domiciliar. Na quarta-feira, a Justiça argentina autorizou Lula a visitar Cristina, dando aval a um pedido apresentado pelos advogados da defesa da ex-presidente. Por sua vez, a Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) confirmou a visita.

Diante deste cenário, a decisão da Casa Rosada, confirmaram fontes oficiais argentinas, será “manter uma atitude cautelosa, evitar comentários e buscar blindar a cúpula de situações políticas externas”.

Mas a tensão está no ar na capital argentina. Milei, que nunca foi um entusiasta do Mercosul, foi convencido por representantes do setor privado e por aliados sobre a conveniência de manter a Argentina dentro do bloco. O motivo principal é o fato de o Mercosul ser uma plataforma comercial para seus membros, a partir da qual podem negociar com mais força acordos com outros blocos e países. O entendimento com a União Europeia (UE), que ainda deve ser assinado e enfrenta resistências por parte de alguns países europeus, entre eles a França de Emmanuel Macron, é um claro exemplo.

Milei, que será anfitrião pela primeira vez de uma cúpula presidencial, optou por reagir de forma “civilizada”, frisou uma fonte argentina.

— O presidente argentino não gostou da notícia, claro, mas não deve reagir. Milei é imprevisível, mas a ideia do governo é não comentar a visita de Lula a Cristina. Não querem prejudicar o Mercosul nem abrir uma frente de conflito com o Judiciário argentino — disse uma das fontes consultadas.

Cordial e civilizado

Outra fonte argentina admitiu que “a visita de Lula a Cristina não será boa notícia para a relação bilateral, mas evitaremos sobressaltos na cúpula”. O que ninguém controla é a atuação da tropa digital de Milei nas redes sociais. Ontem, aliados do presidente começaram a postar mensagens criticando a visita de Lula à ex-presidente em redes como X e Instagram.

— [O encontro entre Lula e Cristina] Ajudar, não ajuda. Mas tentaremos manter um clima cordial — acrescentou a fonte argentina.

Segundo fontes do governo brasileiro, Lula visitará a ex-presidente, que está detida em seu apartamento do bairro portenho de Constitución, após o encerramento da cúpula presidencial. Logo em seguida, o presidente brasileiro terá um encontro com o presidente da Bolívia, Luis Arce, e, posteriormente, com o Prêmio Nobel da Paz argentino Adolfo Pérez Esquivel, próximo de Cristina. Quando encerrar a agenda em Buenos Aires, Lula viajará para o Rio de Janeiro, onde será anfitrião, nos dias 6 e 7, da cúpula de presidentes e chefes de governo do Brics.

Ao longo do dia de ontem, funcionários do governo brasileiro conversaram com autoridades argentinas sobre a visita de Lula a Cristina. O diálogo, disseram fontes oficiais, “foi cordial e muito civilizado”. O governo argentino, disseram fontes locais, entendeu que é difícil para Milei questionar publicamente a decisão de Lula, “lembrando que o presidente argentino já fez o mesmo com o ex-presidente Jair Bolsonaro”. De fato, Milei se ausentou da cúpula de presidentes do Mercosul em meados do ano passado, no Paraguai, e viajou até Santa Catarina para reunir-se com Bolsonaro e outros aliados da extrema direita internacional.

Nas últimas semanas, houve um intenso debate dentro do governo brasileiro sobre a conveniência de que o encontro aconteça. O Itamaraty liderou o lobby contra a visita, argumentando, segundo fontes, “que um encontro entre Lula e Cristina poderia trazer complicações na relação com a Casa Rosada e, também, no cenário interno brasileiro”.

— Para que isso agora? — perguntou uma fonte diplomática.

Mas a ala política, no Palácio do Planalto e no Partido dos Trabalhadores (PT), sempre defendeu a visita — em sintonia com o que queria Lula desde que a Corte Suprema de Justiça argentina confirmou a condenação de Cristina, em meados de junho. Era feita apenas a ressalva de que ela deveria ocorrer “num âmbito de segurança para a ex-presidente, com autorização judicial. Ninguém quer prejudicar a situação judicial de Cristina”.

As fontes que defendiam a visita argumentavam, ainda, “que Milei já aprontou tantas, que não poderia reclamar da visita de Lula a Cristina”, citando que o argentino “se ausentou de uma cúpula do Mercosul para reunir-se com Bolsonaro”.

Sem incomodar vizinhos

Na resolução dos tribunais portenhos, afirma-se que “Cristina Kirchner é autorizada a receber em seu domicílio, onde cumpre prisão domiciliar, a visita do presidente da República Federativa do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 3 de julho”. Informa-se que deverá haver um estrito cumprimento da regra de conduta que fora imposta no ponto III.B da decisão de 17 de junho passado, o dever de “abster-se de adotar comportamentos que possam perturbar a tranquilidade da vizinhança e/ou alterar a convivência pacífica de seus habitantes”.

Esta semana, os procuradores do caso voltaram à carga com pedidos para que a ex-presidente seja levada para um estabelecimento do serviço penitenciário federal. O argumento da ex-presidente para pedir o benefício da prisão domiciliar é ter mais de 70 anos (Cristina tem 72), e ter sofrido uma tentativa de assassinato. No entanto, os promotores insistem que a ex-presidente não correria riscos numa prisão normal e afirmam, ainda, que sua idade não é um impedimento para o traslado.

Qualquer passo em falso de Cristina, por exemplos situações que incomodem os vizinhos, poderia implicar a vitória dos procuradores.

Janaína Figueiredo/O Globo — Buenos Aires

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