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quinta-feira, julho 17, 2025

Inteligência artificial barateia, expande e muda guerra política nas redes

Especialistas apontam que o baixo custo da criação de imagens sintéticas, aliado à velocidade com que são feitas e disseminadas, dá a elas mais capacidade de resposta à urgência dos debates e gera preocupação com sua aplicação no contexto eleitoral

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A batalha digital deflagrada nos últimos dias pelo PT e apoiadores do governo, com respostas de partidos da base e oposição, marca uma virada no uso da inteligência artificial (IA) na arena política. Na esteira da crise da derrubada do aumento do IOF, vídeos feitos com ferramentas cada vez mais baratas e ágeis reforçaram a estratégia de “pobres contra ricos”, adotada pela esquerda, em ataques diretos ao Congresso e ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). Especialistas apontam que o baixo custo da criação de imagens sintéticas, aliado à velocidade com que são feitas e disseminadas, dá a elas mais capacidade de resposta à urgência dos debates e gera preocupação com sua aplicação no contexto eleitoral. O risco, alertam, é que as peças enveredem para a desinformação.

Relatório da consultoria Bites feito a pedido do jornal O Globo mostra que a mobilização digital começou em 17 de junho, um dia após a reação do Congresso às mudanças no IOF começar a se desenhar. No último dia 27, o perfil oficial do PT publicou um vídeo gerado por IA para enfatizar o slogan “Taxação BBB: bilionários, bancos e bets” e disparar a mensagem de que a gestão Lula vai aliviar para os mais pobres e aumentar a taxação dos ricos. Em resposta, figuras da oposição, como o governador mineiro Romeu Zema (Novo), e até partidos da base, como PP e União Brasil, também lançaram mão de ferramentas de IA para rebater os argumentos.

Tática para engajar — Foto: Editoria de Arte
Tática para engajar — Foto: Editoria de Arte

Ferramentas acessíveis

O movimento do PT foi seguido por páginas de esquerda divulgando vídeos contra o Congresso. O foco passou a ser Motta, apelidado de “Hugo Nem Se Importa”, que virou alvo de paródias com os conteúdos artificiais. Os vídeos gerados por IA são produzidos, em sua maioria, pelo perfil “brasilsatiradopoder”, no TikTok. Uma das publicações satiriza situações de privilégio que seriam vividas pelo Congresso, apontado como “inimigo do povo”. “Um brinde ao Hugo Nem Se Importa, o herói do Brasil que segue a elite e ignora o povo”, diz o homem na publicação compartilhada por diversos perfis pró-governo.

Ao divulgar uma peça com imagens geradas com auxílio da tecnologia e que mira no presidente da Câmara, o influenciador Thiago dos Reis, um dos mais proeminentes da bolha petista, foi na mesma linha: “Mais um excelente vídeo expõe a hipocrisia de Hugo Motta, cachorrinho dos bilionários”, escreveu.

O pico da repercussão da mobilização governista aconteceu na quarta-feira, com 280 mil menções e 1,7 milhão de interações, mas o engajamento se manteve em patamar elevado ao longo dos últimos dias, ainda segundo a Bites. Os dados indicam que a gestão Lula conseguiu pautar o debate nas redes, com o apoio de perfis como o do próprio presidente, o do deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP) e de influenciadores ligados ao Planalto. A agilidade da reação governista à derrubada das medidas no Congresso chama a atenção. Ao contrário da crise do Pix, por exemplo, que colocou Lula nas cordas em janeiro, a resposta de agora foi célere.

Em parte, a velocidade pode ser explicada pela facilidade com que essas imagens podem ser criadas. A maioria das peças de qualidade produzidas por IA, hoje, chega até a misturar mais de uma ferramenta, segundo o professor da Universidade Anhembi Morumbi e integrante do grupo Comunidata Lucas Lespier. Nos vídeos espalhados por petistas nos últimos dias, observa ele, isso fica evidente, dada a construção de ambientes em 3D.

— Há ferramentas novas que são relativamente simples de serem adquiridas, não têm valores altos. E há um interesse delas em entrar no Brasil. Para professores e estudantes, por exemplo, liberaram 15 meses grátis — diz o pesquisador. — Outras têm pacotes razoáveis por nove, dez dólares por mês. Para campanha política, que tipicamente é algo caro, estamos falando de valores irrisórios. Barateia muito a campanha. Na hora de pensar em vantagens, não há como não falar nos custos e na agilidade.

Já os perigos, aponta Lespier, recaem sobre o potencial de desinformação, sobretudo quando não há o aviso de que o conteúdo foi feito por IA.

— E mesmo isso não resolve totalmente, porque as pessoas se comunicam muito com o emocional.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem se debruçado sobre a IA e seus efeitos nas campanhas. No ano passado, a Corte publicou uma resolução que determina que o eventual uso da tecnologia em peças eleitorais seja informado pelos candidatos. Também se preocupou em proibir a inteligência artificial para difamação e distorção da realidade por meio dos “deepfakes”. Na semana passada, a ministra Carmen Lúcia designou um grupo de trabalho para aprimorar as regras antes de 2026, dada a velocidade com que a tecnologia se desenvolve.

Fora do período eleitoral, no entanto, questões relacionadas ao uso de IA na política vão para a Justiça comum, explica o advogado Eduardo Damian Duarte, especialista em direito eleitoral.

— Nesses casos, não temos a competência da Justiça Eleitoral para analisar. Pode até atuar antes, mas desde que a publicação tenha reflexos para a eleição que se aproxima, como campanha antecipada. Aí pode usar a regulação do TSE — afirma o advogado. — No caso da Justiça comum, o tipo de responsabilização tem muito a ver com as novas regras definidas pelo STF sobre as redes sociais. Quando há questões de crime, as plataformas são obrigadas a atuar de ofício ou por mera notificação e remover o conteúdo. Se for crime contra a honra, têm que ser provocadas pelo Judiciário. Motta, por exemplo, precisa acionar a Justiça caso considere que as peças que debocham de si afetam sua honra.

Na esteira dos conteúdos produzidos, o PT organizou na quarta-feira um encontro por videoconferência com cerca de 300 influenciadores. Participaram o senador e presidente interino da sigla, Humberto Costa, o deputado federal e secretário de comunicação, Jilmar Tatto, o publicitário Otávio Antunes, o advogado Marco Aurélio de Carvalho e o presidente da Fundação Perseu Abramo, Paulo Okamotto.

Tatto nega que a orientação seja de criticar o Congresso e afirma que o embate é contra o “andar de cima” da população, a fim de que a elite econômica também pague impostos:

— Nós demoramos dois anos e meio para acertar essa embocadura, para mobilizar o governo, o PT, a nossa base social, os setores progressistas. Infelizmente, nós demoramos dois anos e meio, mas agora acertamos, saímos das cordas.

Houve ainda um pedido para que os perfis passassem também a criar conteúdos próprios, sem aguardar materiais do governo para replicar. A orientação dá margem para que se perca o controle da veracidade do que é publicado.

— Não tem que esperar o governo, não tem que esperar o PT, faça o que tem que ser feito. É assim que funciona, entendeu? Meio que a gente deu uma largada, um chacoalhão. Eles querem guerra, vai ter guerra — diz Tatto.

Um dos principais interlocutores de Lula para assuntos jurídicos e coordenador do grupo Prerrogativas, Marco Aurélio de Carvalho diz que participou da reunião com influenciadores porque o partido se preocupa em não infringir as leis durante a produção desse tipo de conteúdo.

— Existe uma preocupação ética do PT em ter uma assessoria técnica e tirar dúvidas. Vamos criar um grupo para ter cuidado jurídico e não repetir o que o outro lado faz. Sempre tentamos dialogar com a realidade — afirma. — É fundamental que sejam informações verdadeiras e que fiquem dentro do debate político. Faremos um debate respeitoso, veemente, ácido às vezes, mas nunca criminoso.

Invasão em São Paulo

A campanha com discurso de “pobres contra ricos” não ficou restrita às redes sociais. Na quinta-feira, a Frente Povo Sem Medo e o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), dois dos principais movimentos sociais da esquerda, invadiram o saguão da sede do Itaú BBA, na Avenida Faria Lima, na Zona Oeste de São Paulo.

O protesto pediu a taxação dos super-ricos e a isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais, pautas atuais do governo Lula. Após permanecerem por pouco mais de duas horas e meia no local, carregando bandeiras e gritando palavras de ordem, os integrantes dos movimentos deixaram o prédio de forma pacífica no início da tarde.

Caio Sartori, Bernardo Lima, Sarah Teófilo  e Rafaela Gama
 — Rio e Brasília

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