Não tem como começar diferente — e muito menos sem dedicar este texto aos meus queridos seguidores e, sobretudo, às minhas queridíssimas e perfumadas seguidoras. Vírgulas e travessões devidamente nos seus lugares, já informo — em respeito a leitores atentos como o amigo Gerson Schautz — que a palavra prélio, segundo mestre Aurélio Buarque de Holanda, é um substantivo que significa luta, batalha, peleja, combate. Definição que me acompanha desde o início dessa trajetória insubordinada no jornalismo, já que no longínquo 9 de julho de 1970, no meu primeiro texto assinado na Folha de Dourados, lá estava ela: “prélio”, usada para descrever o embate renhido entre o Operário de Walter Brandão da Silva e o Palmeirinhas do Panambi. A bola era redonda, mas a palavra já vinha com espinho.
No 9 de julho de 2021, por pouco não perco a oportunidade para um bom trocadilho. Só fui lembrar da data ao acordar — e entre uma xícara de café e um pão-de-queijo, entrei em desespero por não ter tido uma boa ideia para marcar os 51 anos de profissão. A salvação da lavoura foi acionar às pressas a publicitária Maria Antônia Ribeiro Gonçalves para me socorrer via redes sociais, enquanto eu escarafunchava meus arquivos para as devidas ilustrações.
Este ano, confesso, o esquecimento se deu por outro motivo: o tarifaço do Trump. Sim, ele mesmo, o psicopata de topete e bravatas, que ocupou mais espaço por aqui do que as escaramuças da nossa Isa “Cavala” Marcondes em sua cruzada pessoal pelo milagre da saúde pública na terra de seu Marcelino.
Mas como o destino costuma corrigir os lapsos da memória, eis que — como se soubesse da importância da data — o sempre discreto e elegante vice-governador Barbosinha renovou um convite que virou rotina: um cafezinho. Mas não desses que tomamos na padaria do fuxico, onde repassamos as pautas da semana entre um salgado e um cochicho. Foi um café especial, servido no gabinete da Reitoria da UEMS — um templo onde se produz conhecimento, cultura e, por que não, afeto.
Na verdade, o convite partiu do reitor Laércio Alves Carvalho, enquanto aguardávamos a chegada de prefeitos e vereadores para um seminário do MS Ativo. Fui de carona, a convite do vice-governador.
Ao cruzar a passarela que liga o auditório ao gabinete, lembrei-me de outro nome que jamais deveria sair da galeria da nossa memória coletiva: o professor Celso Muller do Amaral — talvez o maior idealista da política douradense. Foi ele quem, ainda deputado em Cuiabá, criou a lei que instituiu a Universidade Estadual em Dourados. Foi ele quem doou a área do Colégio Presidente Vargas. Foi ele quem inspirou o pai, Wlademiro do Amaral, a doar o terreno do CEUD, o embrião da UEMS. E foi ele quem, já com o estado dividido, cedeu parte de sua fazenda para a criação do curso de Agronomia da UFMS, embrião da UFGD, vizinha de campi da própria UEMS. Um visionário. Um doador de futuro.
Na antessala da Reitoria, recepcionado com o sorriso largo da chefe de gabinete Marluce Nantes, mais uma cena se armou: ao me deparar com a galeria dos ex-reitores, parei diante da imagem de outro idealista, o professor Luiz Antônio Álvares Gonçalves. Emoção à flor da pele. Marluce e eu fomos assessores de Luiz Antônio — ela, na prefeitura; eu, como sempre, metido onde não fui chamado.
Sem trocar palavras, imaginei o que ela pensava, se comunicando telepaticamente com Luiz Antônio, diante da minha contemplação reverente:
“Chefe, ele continua insubordinado e enxerido.”
Pois é. Consciente disso, sentei-me sem cerimônia ao lado do reitor Laércio. À sua esquerda, Barbosinha. À minha direita, o pró-reitor Robson Marques e Thaner Castro, o superintendente de Planejamento e Gestão Econômica do Estado. Mais adiante, sentou-se o secretário de Desenvolvimento Econômico de Dourados, Antônio Freire. Estava cercado.
Foi só quando a vice-reitora Luciana Ferreira adentrou o gabinete que me dei conta: estávamos no dia 9 de julho. Me levantei e cedi o lugar. Num raro momento de cavalheirismo, até por se tratar de uma mulher.
Mesmo assim fui discreto, limitando-me a repassar meu cartão de visitas ao reitor e, na saída, à vice-reitora — para que soubessem quem era o intruso que se metera ali. Se houvesse tempo, teria me apresentado melhor. E, talvez, contado aquela história clássica de Celso Amaral no plenário do Jaguaribe, quando, ao discursar contra a tentativa de levarem o curso de Agronomia para Campo Grande, sua dentadura escapou da boca e caiu no chão. Sem perder a pose, ele bradou:
“Por essa causa, dou meu sangue, minha vida… e até meus dentes!”
Se tivesse contado essa, certamente não teria saído incógnito do gabinete da Reitoria.
E se a memória não tivesse me pregado a peça do esquecimento, eu teria comemorado — em alto estilo — esses 55 anos de prélio, ou melhor: de luta, batalha, peleja e combate em nome do bom jornalismo.
Mas tudo bem. Valeu pelo café — e, mais ainda, pelo gesto simbólico, vice-governador Barbosinha. Um brinde ao passado, servido quente. E à história, ainda em andamento com seus algoritmos.