O mais correto, do ponto de vista jornalístico, seria começar esta análise pelas gafes presidenciais — sejam as de Lula, com suas frases tortas sobre ditaduras amigas, ou as de seu antecessor, o sempre incendiário Jair Bolsonaro, aquele para quem a Covid era só uma “gripezinha”. Só não o faço — como diria Jânio Quadros, em seu português escorreito e cheio de idiossincrasias — porque correria o risco de precisar mudar o lead antes que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, conseguisse se reequilibrar da escorregada fatal que deu na questão do tarifaço de Trump.
Se preferisse o caminho da hierarquia histórica, poderia começar pela frase emblemática do último general-presidente do ciclo militar, João Figueiredo, que dizia preferir o cheiro de cavalo ao cheiro de povo. Só por isso, talvez, devolveu o poder aos civis — e ainda assim com uma mandinga tão forte que seu sucessor, Tancredo Neves, só subiu a rampa do Planalto dentro de um caixão.
Começo, então, pela bravata. A bravata que pode ter custado a presidência ao então expoente da extrema direita. Bravata tão desastrada, a de Paulo Maluf — aquele que, do alto da empáfia, ao comentar um crime hediondo, lançou a pérola do “estupra, mas não mata”. A frase, é bom lembrar, selou sua derrota no Colégio Eleitoral que elegeria Tancredo Neves, em janeiro de 1985.
Mesmo os mais letrados e comedidos já tropeçaram no próprio verbo. Fernando Henrique Cardoso, com seu “pé na cozinha” — expressão infeliz e racista, travestida de nostalgia aristocrática —, ou Ciro Gomes, que reduziu a então esposa Patrícia Pillar ao papel de “dormir comigo”, ao ser perguntado sobre o que ela faria se ele fosse eleito presidente.
Mas o caso de Tarcísio de Freitas é mais grave. Não pode alegar ignorância. Não depois de ter convivido tão de perto com o bolsonarismo raiz, suas bravatas e suas consequências jurídicas e penais. Não depois de tudo que se viu — e se ouviu — no pós-8 de janeiro.
Até aqui, Tarcísio caminhava com certa astúcia. Pisando em ovos, tentando ocupar o espaço do “bolsonarismo domesticado”, aquele que ainda seduz parte do eleitorado de centro. Se não pecava pelo desatino verbal, mantinha a aura do técnico discreto, que talvez herdasse a máquina e a popularidade do capitão, sem a loucura dele.
Mas pecou. Pecou pelo nonsense.
Afinal, como pode um governador de São Paulo — o mais importante estado do país — dirigir-se ao STF, e mais especificamente a Alexandre de Moraes, para sugerir que Jair Bolsonaro, réu, inelegível, encrencado até o último fio do cabelo transplantado, seja liberado para viajar aos Estados Unidos e “negociar” com Donald Trump a questão do tarifaço?
Com que credenciais? Com o crachá de “líder golpista em exílio informal”? Com a promessa de que não vai provocar um incidente diplomático, só mais um meme?
A cena é patética. Parece tirada de um roteiro de sátira política barata. Um governador pedindo ao Supremo que libere um cidadão inelegível para salvar a lavoura internacional. Um Bolsonaro em missão de paz econômica. Um Trump em postura de estadista. É nonsense em looping.
Tarcísio não escorregou apenas na casca da lealdade. Ele caiu de cara no pântano da incongruência. De técnico promissor virou mascotinho do bolsonarismo saudosista — aquele que acha que o Brasil se resume a um cercadinho e que o mundo ainda funciona por bravatas e figurinhas de WhatsApp.
Pode até continuar sonhando com o Planalto. Mas, depois dessa, vai precisar de muito mais que sapato engraxado e discurso ensaiado. Vai precisar reverter uma imagem que já começa a cristalizar: a de mais um poste quebrado, erguido na contramão da história.