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domingo, julho 27, 2025

De “mito” a pomo da discórdia

Como consequência do "tarifaço" de Trump, Lula provoca e Bolsonaro tornozelado vira o pomo que pode fazer a Troia tropical desabar

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Nunca antes na história do Brasil, como gosta de repetir o presidente Lula— tampouco nos quase duzentos anos de diplomacia com os Estados Unidos — um homem conseguiu personificar tão perfeitamente o papel do pomo da discórdia quanto Jair Bolsonaro. Ao lançar seu comentário cortante sobre Trump e a democracia, Lula acendeu o estopim de uma guerra como a de Tróia, só que modernizada, que agora se desenrola entre podcasts messiânicos, cartinhas diplomáticas e despachos judiciais em PDF. Resta saber se o Zeus da atualidade, ferido em seu topete e cego pela fúria tarifária, deixará os aiatolás, a Faixa de Gaza e até o “mui amigo” Putin de lado para ordenar um bombardeio simbólico — ou literal — sobre Brasília, em defesa do seu Aquiles tropical.

É que o tarifaço anunciado por Donald Trump contra produtos brasileiros não foi apenas uma manobra econômica. Foi uma mensagem cifrada, quase profética: um trovão contra o Planalto, um aviso divino de que o Olimpo MAGA não tolera heresias tropicais. E como resposta, Jair Bolsonaro fez o que se espera de um semideus em decadência: convocou os de sempre. Ligou para aliados, acionou sua tropa de choque digital e, sobretudo, pediu aos deuses da toga clemência. Mas Alexandre de Moraes, que não acredita em mitologia, apenas apertou o botão: tornozeleira ativada.

O mito, como todo personagem trágico, não se contenta em ser apenas vítima do enredo. Ele precisa de glória, martírio e redenção. Depois de se tornar o pomo da discórdia nas relações Brasil-EUA, Bolsonaro agora se apresenta como cavaleiro do Apocalipse, empunhando não uma espada, mas uma live programada, anunciando o juízo final entre memes, gemidos e versículos soltos. Galopa em círculos, cercando a Papuda com promessas de redenção e ameaças veladas. Se o fim do mundo bater à porta, ele quer estar de colete à prova de fatos, pronto para dizer “eu avisei”.

E como em toda guerra mitológica, há uma musa disputada. Michelle Bolsonaro é a Helena dos conservadores: bela, recatada e do lar evangélico. Musa das lives messiânicas, símbolo da moral seletiva e fonte inesgotável de suspiros entre devotos e aloprados. Janja Lula da Silva, por sua vez, é a Helena progressista: toca tambor, dança com Chico, acompanha com atenção e afeta os rumos do trono sem jamais sentar nele. É Antígona com redes sociais e cacoete de primeira-dama antenada. Ambas, cada uma ao seu modo, estão no centro da discórdia — não por suas ações, mas por representarem universos em colisão.

Achava-se invencível, o herói dos quartéis e dos memes. Mas como Aquiles, tinha seu ponto fraco: a tornozeleira. E não foi flecha de Paris que o derrubou, mas despacho assinado por Alexandre de Moraes. Bolsonaro agora caminha sob vigilância, sem farda, sem celular, sem passaporte, e, talvez, sem rumo.

Já o Gordinho do Bolsonaro — Rodolfo Nogueira, nosso deputado, nosso personagem — encarna o papel do Hefesto do cerrado. Não forja armas nem elabora estratégias — forja frases feitas. Ao seu lado, a deusa Gianni Nogueira, que enxerga nele o Apolo da planície. Mas o povo, cruel como sempre, o vê mais como um Hércules sedentário, que troca os doze trabalhos por doze likes.

Trump, por sua vez, reina como Zeus de Mar-a-Lago. Com sua franja de pombo e trovões tarifários, brada dos céus (ou do tribunal mais próximo): “não toquem em meu Bolsonaro!” Seus raios, no entanto, já não causam medo: causam inflação, memes e ações judiciais. Depois de apeado do trono tal qual Bolsonaro por Lula, o Zeus americano está de retorno, mais nervoso que nunca — agora jogando seus B-2 retóricos sobre os trópicos, depois de vergonhosamente enganado pelo deus dos aiatolás.

Enquanto isso, Alexandre de Moraes desponta como uma espécie de Atena careca e implacável. Sábio, estratégico, frio. Do crânio de Brasília, emergiu Alexandre — que ao invés de escudo e lança, empunha decisões monocráticas que fazem tremer os deuses da extrema-direita. Paris que se cuide: ele não perdoa rapto, nem bravata, nem farsa com passaporte diplomático.

E as redes sociais? O cavalo de Tróia da contemporaneidade. Penetram nas cidadelas da razão com aparência de presente democrático, mas dentro escondem os novos soldados: robôs, influencers, YouTubers de farda e coachs da ignorância suprema. Hoje, o cavalo já foi descoberto, mas continua relinchando, reinventando-se em cada algoritmo.

Se há um herói de verdade neste panteão, seu nome é Ulysses, mas o Guimarães. Navegou pelas águas turbulentas da Ditadura, lutou contra o canto das sereias do autoritarismo, e entregou ao povo brasileiro uma Constituição que apelidou de cidadã — nossa Ítaca inacabada. Se vivo fosse, diria: “o que fizeram com a República que parimos com dor e esperança?”

A guerra de Tróia durou dez anos. A nossa, entre lava-jatismo, trumpismo, bolsonarismo e lulismo, já passa, também, de uma década. Mas agora, com tornozeleiras eletrônicas, tarifas explosivas, apps de rastreamento e PGR acordando do sono cívico, parece que os deuses, enfim, começarão a prestar contas.

A história está sendo reescrita. E o pomo da discórdia agora tem CPF digital, GPS embutido, cotação cambial — e talvez, se Zeus permitir, até cela reservada em ala, por enquanto, semiaberta.

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