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sexta-feira, dezembro 5, 2025

Do Araporã ao Shopping: meio século de muros na beira da aldeia

Em 1977, o projeto Araporã tentou levar hortas ao Jaguapiru e foi barrado por antropólogos e lideranças indígenas; agora, o desafio se repete, mas com um shopping

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Tão logo assumiu a prefeitura de Dourados, em 1977, José Elias Moreira – até hoje considerado por muitos o maior prefeito da história da terra de seu Marcelino – ousou tocar num vespeiro que ninguém antes tinha mexido: o cotidiano das aldeias Jaguapiru e Bororó.

A proposta, batizada de Araporã, era simples no papel, mas audaciosa na prática: incentivar a produção hortifrutigranjeira dentro da comunidade indígena, oferecendo alternativa de sustento, ocupação e combate à ociosidade que, já à época, se misturava a problemas graves como alcoolismo, violência e suicídios.

Coube ao então secretário de Agricultura, Osmair Scarpari, dar corpo ao projeto. A notícia logo chegou a este insubordinado que vos escreve, na época correspondente da Folha de S.Paulo. O impacto foi imediato: a série de reportagens publicada no jornal paulistano escancarou a tensão latente entre o poder público municipal e os órgãos indigenistas. Vieram protestos, manifestos acadêmicos – principalmente de antropólogos da Unicamp – e um “Deus nos acuda” nacional contra o que se chamava de “ingerência” da prefeitura na vida da aldeia.

Moral da história: o Araporã foi abortado antes de florescer.

Agora, o mesmo território indígena – hoje a maior aldeia urbana do país – volta ao centro do debate. Só que, desta vez, não é uma horta que bate à porta da comunidade, e sim um shopping center imponente, com praça de alimentação, estacionamento amplo e vitrine de luxo. O empreendimento não será dentro da aldeia, mas coladinho ao seu limite. Lindeiro de concreto e vidro.

O discurso empreendedorista fala em geração de empregos e “inclusão” econômica. Dos índios inclusive, muitos deles, ao lado dos hermanos venezuelanos, já em treinamento em caixas e na reposição em gôndolas de supermercados. Mas a pergunta que não cala – e que ecoa do passado – é outra:

Se na década de 70 os indígenas e antropólogos se insurgiram contra o pé de alface e os tomates de Zé Elias o que dirão agora diante do pé-direito de luxo do shopping? Será que o silêncio vai prevalecer? Ou, como antes, veremos a aldeia gritar contra mais um muro que se ergue ao seu redor?

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