20.8 C
Dourados
sexta-feira, dezembro 5, 2025

Geraldo Resende: “Minha conquista mais emblemática é a UFGD”

O médico que trocou o estetoscópio pelo plenário revisita vitórias, derrotas e ironias da vida pública — e explica por que ainda prefere a fé no futuro às mágoas da política

- Publicidade -

O deputado Geraldo Resende passou este fim de semana comemorando uma das mais emblemáticas conquistas de seu mandato para a cidade que resolveu adotar como sua —Dourados, sede da maior aldeia indígena urbana do país, ganhou neste sábado o primeiro SAMU exclusivo, no Brasil, para atendimento às comunidades dos povos originários. Médico por vocação, deputado por insistência e “insubordinado” por definição (a alcunha, ele mesmo me jogou no colo), Geraldo atravessou a vida pública colecionando aliados, desafetos e histórias para contar aos netos o dia em que resolver se aposentar — se é que isso vai acontecer.

Dourados nunca lhe deu a chave da prefeitura, mas também não conseguiu tirá-lo do jogo. Perdeu em 2016, respirou fundo e voltou ao Congresso como quem volta para casa — só que com mais trânsito nos gabinetes, mais recursos no bolso das emendas e mais paciência para lidar com prefeitos que esquecem de assinar papelada e deixam verba escorrer pelo ralo. O homem que na pandemia ganhou o apelido de “médico da vacina” agora gasta energia tentando curar outra doença crônica: a inércia administrativa.

Nesta conversa, Geraldo faz o que sempre fez: fala sem meias-palavras, sem pedir desculpa por não ser radical de esquerda nem devoto de Bolsonaro, sem medo de cutucar colegas e sem perder a fé de que “Deus proverá”. Entre uma lembrança da UFGD — esta sim, que ele garante ser sua mais emblemática conquista — uma cutucada no prefeito Marçal Filho, outra no poderoso chefão Reinaldo Azambuja e um comentário sobre a chantagem de Trump, surge o retrato de um político que sabe que a vida é um tabuleiro — e que às vezes o xeque-mate é só o começo da próxima partida.

Leia a íntegra da entrevista exclusiva ao ContraontoMS:

Deputado Federal no sexto mandato, depois de ter passado pela Câmara Municipal e pela Assembleia Legislativa, no intermeio disso, duas vezes secretário estadual de Saúde. Aposentadoria à vista, em Jericoacoara, depois de eleger a filha Bárbara para a Assembleia, retorno à Câmara Federal ou vai tentar o Senado?

Valfrido, eu olho para trás e fico pensando: como Deus foi generoso comigo. Um menino de família pobre, oriundo do interior de Minas Gerais, e que conseguiu realizar o sonho de ser médico e depois alçar voos para cargos eletivos, sempre com um olhar diferenciado para a saúde.  Você pode me dizer: “mas você não conseguiu ser prefeito de Dourados”, e eu te respondo: fiz minha parte. Devotei todas as minhas energias naquele pleito de 2016, elaborei um dos melhores planos de governos já apresentados em eleições municipais de Dourados, sem falsa modéstia. Não fui eleito, mas respeito a vontade popular. Só fico um pouco triste quando muitas pessoas vêm me reclamar da situação da minha cidade, em vários aspectos. Mas, é como se diz: “cada povo tem o governo que merece”. Quanto ao meu futuro, mais uma vez, sempre vou acreditar que Deus proverá e prepara o melhor caminho para cada um de nós. Porque para mim, como diz o poeta: “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.

A frustração pela derrota para a prefeitura o fez pensar em desistir?

A frustração foi momentânea, ou seja, todo resultado eleitoral adverso te deixa frustrado. Mas com o tempo a gente começa a refletir e percebe que muitas vezes, o caminho que você traça para sua vida não é o único que pode te levar a outras vitórias. Depois de perder as eleições em 2016, retomei com muito entusiasmo meu mandato na Câmara Federal e continuei ajudando não apenas Dourados, mas todo o Mato Grosso do Sul. Como você sabe, sou um dos poucos políticos do nosso Estado que tem uma visão privilegiada da realidade de praticamente todos os municípios de Mato Grosso do Sul. E se antes eu já tinha um trânsito muito bom no Congresso Nacional, no governo do Estado e nos municípios, hoje tenho muito mais, com mais experiência, ajudando a traçar estratégias para melhorar a saúde, a educação, a infraestrutura e a assistência social em todas as regiões de nosso Estado. Essa condição me faz estar hoje em um dos mandatos no qual me sinto mais feliz e realizado, porque estou concentrando minhas energias para ajudar as pessoas mais vulneráveis da sociedade, que são os mais humildes, principalmente mulheres, crianças, idosos, pessoas com deficiência e, por consequência, as entidades que trabalham com essa clientela, que são aquelas do terceiro setor.

Como vê a administração Marçal Filho?

É cedo para julgar, ainda. Eu o vejo cometendo erros e acertos nesses oito meses de administração, embora as falhas possam, se não houver uma “correção de rota”, comprometer toda uma gestão, que são aquelas na área da saúde. O prefeito Marçal pegou uma cidade com muitas dificuldades, porém com muitas oportunidades. O ex-prefeito Alan Guedes, a meu ver, poderia ter sido mais ágil e finalizado alguns encaminhamentos, que resultariam em ações do seu próprio mandato. Como não o fez em muitos projetos, sobrou para o atual prefeito que, no entanto, também não está sabendo aproveitar as janelas de oportunidades que herdou. Exemplo: junto com o ex-prefeito Alan Guedes, conquistamos uma sede para o SAMU de Dourados, que hoje fica em um local totalmente acanhado, sem estrutura sequer para abrigar as suas ambulâncias. Ocorre que, como não deu tempo de o ex-prefeito encaminhar toda a documentação para que o Ministério da Saúde pudesse autorizar a licitação, mesmo se passando oito meses, o Marçal Filho ainda não conseguiu dar seguimento a essa questão burocrática. Outro exemplo: Dourados conquistou dois Centros de Apoio Psicossocial para substituir as estruturas precárias atuais. A atual administração também não deu sequência. E por causa da inércia da gestão, Dourados pode perder os recursos que conquistamos em Brasília com muito trabalho e devoção à causa pública.

Com as pedras do tabuleiro de 2026 já sendo mexidas, depois de MDB, PPS, PSDB, o que dizer de seu futuro partidário?

É exatamente pelo fato dessas pedras estarem sendo mexidas, que ainda não podemos dizer para qual ponto elas irão, finalmente, se deslocar. Eu estou conversando com muita gente, mas principalmente com meu grupo político, porque ninguém pode tomar uma decisão isolada, sob pena de suicídio eleitoral. Tenho convites para migrar para diversos partidos, mas somente irei tomar uma decisão coletiva, possivelmente até março do ano que vem.

Pode acontecer, nessa onda, um retorno às origens “comunistas”, nesses tempos em que o bolsonarismo tem demonizado as esquerdas?

No espectro ideológico, vou continuar onde sempre estive. Quando estudante, principalmente no período da regime militar, aprendi a amar a democracia, e por isso integrei os movimentos em defesa de eleições livres, como foi o da “Diretas Já”, bem como aqueles voltados a uma melhor distribuição de renda, respeito aos povos originários, elaboração de políticas para valorização do trabalhador, uma educação pública de qualidade e, algo que não existia na época: o Sistema Único de Saúde, o nosso SUS. Defender essas pautas não é, necessariamente, uma prática “comunista”, mas sim humanitária. Por outro lado, sempre defendi e prezei pelo respeito à propriedade privada, desde que conquistada dentro dos limites da lei e que cumpra aquilo que se chama de “função social”. A bem da verdade, sempre fui contra os radicalismos, tanto de um lado quanto de outro, e por isso me considero uma pessoa “de centro”. Quanto a esse neologismo da política, o tal do “bolsonarismo”, basta dizer que eu abomino algumas de suas teses, como negacionismo à ciência. Eu fui chamado de o “homem da vacina” na pandemia, quando salvamos milhões de sul-mato-grossenses da Covid. Ao mesmo tempo, abomino o discurso da esquerda de patrão versus empregado. Isso não existe. Estamos todos no mesmo Brasil e a união da classe política é essencial para unir os brasileiros.

Daria pra dizer que como vereador, deputado, estadual, federal e secretário de saúde fez mais por Dourados do que se tivesse tido a oportunidade de ser prefeito?

Não. Até porque após as eleições em que não consegui me eleger à prefeitura, continuei sendo deputado federal e depois secretário estadual de Saúde, condição na qual ajudei muito o município de Dourados, principalmente no combate à pandemia da Covid-19. Como prefeito, certamente eu iria liderar um movimento de reorganização da administração pública, mas para isso iria contar com o entusiasmo de muitos outros atores, entre eles outras lideranças políticas, os vereadores, empresários, lideranças políticas, profissionais liberais, trabalhadores, etc., para planejarmos um crescimento mais ordenado da cidade. Hoje, continuo tentando emplacar minhas ações em favor da cidade, porém, sempre dependo da boa vontade da administração do momento.

No atual mandato tem priorizado mais as causas sociais, tendo como carro chefe a causa dos povos originários. Alguma mea-culpa?

Não se trata de mea culpa, apenas de uma consequência natural de meus mandatos anteriores. Em legislaturas passadas, muito embora sempre conhecido como “o deputado da saúde”, na verdade, dei muita ênfase à questão da infraestrutura em todas as regiões do Estado. Somente em Dourados, podemos contabilizar mais de 80 frentes de asfalto em mandatos anteriores. Na questão da saúde, também trabalhei com intensidade. Mas é preciso entender que o Orçamento da União é limitado e por isso eu entendo que agora é preciso priorizar aqueles segmentos dos quais lhe falei: povos originários, idosos, crianças, mulheres e pessoas com deficiência.

Por ser seu amigo, há 55 anos, emocionei-me outro dia quando fui visitar uma sobrinha em trabalho de parto no Hospital da Mulher do HU e disse a ela, muito bem atendida no local, que tudo ali é resultado de um sonho do deputado Geraldo Resende. É esta sua maior ou mais emblemática conquista?

Eu sempre digo que a minha conquista mais emblemática é a implantação da UFGD, Universidade Federal da Grande Dourados. Quando se fala desse assunto, a dor de cotovelo é muito grande, pois alguns segmentos políticos não conseguem admitir que minha atuação foi incisiva para a conquista desta universidade junto ao presidente Lula, já em seu primeiro mandato. É certo que muitas pessoas vinham trabalhando em um projeto que era acalentado há vários anos: a autonomia do campus da UFMS em Dourados, conhecido como CEUD – Centro Universitário de Dourados. Mas meu projeto de lei, ainda que contendo vício de origem, foi o caudatário daquele anseio, pois com ele eu ingressei em todos os meandros de Brasília e bradei bem alto o sonho da sociedade douradense.

Muito mais como médico do que como deputado, como vê o movimento pela implantação de um curso de Medicina na UEMS, do outro lado da rua da Faculdade de Medicina da UFGD?

Sou favorável e por diversas oportunidades já me pronunciei sobre o assunto, inclusive em audiências com o reitor da UFMS, professor Laércio de Carvalho, em pronunciamento na Câmara dos Deputados e nas falas durante eventos públicos da UEMS. Porém vejo, com tristeza, a falta de entusiasmo da sociedade douradense, que em outras épocas fez movimentos memoráveis, como o que resultou na conquista do curso de Agronomia, de Medicina na UFMS e na conquista da própria UFGD.

Inclusive, já tem colegas seus, parlamentares, pegando carona em mais esta iniciativa…

Outros parlamentares que abraçarem essa causa, não estarão fazendo mais do que a obrigação e vão ajudar em mais uma conquista coletiva, quando ela vier. Só não podem, como ocorre geralmente, agirem com “dor de cotovelo” e tentar diminuir  o trabalho que outros atores fizeram pela causa.

A recente entrega de caminhões pipas na Reserva Indígena de Dourados recebeu algumas críticas, o Geraldo é daqueles que fazem dos índios massa de manobra?

Entendo essa pergunta como provocativa no sentido de esclarecer o que alguns – e, mais uma vez: com dor de cotovelo – afirmam por aí. Você, como pessoa esclarecida que é, sabe muito bem que lutei, desde 2023, para viabilizar recursos para a implantação de um projeto definitivo de abastecimento de água para a Reserva Indígena de Dourados, e que isso somente aconteceu no final do ano passado, quando convenci a bancada federal a indicar uma emenda de bancada, ou seja, coletiva, no valor de R$ 53 milhões, para bancar o projeto, elaborado pela Sanesul. Isso não significa, no entanto, que enquanto o projeto definitivo não é implantado, os indígenas tenham que morrer de sede, e a própria comunidade entende dessa forma. No mais, massa de manobra faz quem nunca sabia, antes, sequer onde fica a Reserva Indígena de Dourados e depois vai lá para gravar vídeos e cortes na Internet, usando aquela população sofrida e vulnerável, para conquistar engajamento em suas redes sociais.

Deputado, talvez no momento mais agudo da “revolta da natureza”, conforme o título do livro recém-lançado pelo agrônomo Erminio Guedes, como explicar seu voto na questão ambiental recentemente, no Congresso, que também lhe rendeu algumas críticas?

Sou um defensor da natureza e no meu voto ao qual você se refere, eu votei conforme solicitação do governo do Estado, tendo em vista que a questão ambiental no Brasil tem uma legislação que remonta há décadas e, em alguns aspectos, precisa ser modernizada. Especificamente, votei pelo destravamento de alguns projetos que se encontram paralisados por restrições que, a meu ver, não fazem sentido, como o caso do anel viário de Caarapó, na BR-163, a duplicação da BR-463, entre Dourados e Ponta Porã, a Rodovia Sul-Fronteira, a duplicação das rodovias BR 262 e 267, bem como a implantação de algumas estruturas de hidrelétricas. No entanto, se houver vetos do governo federal e, mediante argumentações consistentes, posso até rever alguns dos meus votos.

Nessa questão Congressual aí um dia o Lula, ainda candidato à presidência, fez uma dura crítica ao que ele chamou de “300 picaretas” da Câmara e do Senado. Hoje ele é refém do Centrão. E agora, parece que com esse número tendo aumentado, como se cumprir o princípio basilar da independência entre os três poderes da República?

Essa é uma situação que vai demorar muitos anos para ser modificada e, a meu ver, passa pela conscientização política do eleitorado brasileiro, ou seja, somente quando soubermos escolher bem os nossos representantes. Os chamados “picaretas” estão, a meu ver, em muitos espaços do poder público, mas chegaram lá porque foram eleitos, e uma vez em posse de seus cargos, vão colocar em prática o seu modo de fazer política.

Falando nisso, como vê essa chantagem do presidente americano Donald Trump contra o Brasil, principalmente a ameaça ao STF por causa do Bolsonaro?

A meu ver, ele está agindo exatamente como fez com diversos outros países, utilizando a velha estratégia de, como se diz, “colocar o bode na sala”, para depois negociar condições menos cruéis para os países com menor poder econômico. Por outro lado, o Bolsonaro está sendo apenas um instrumento de manobra nas mãos do presidente americano, porque foi a isso que levaram as súplicas do filho do ex-presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro. Mas, o Trump sabe que o Brasil não é uma republiqueta qualquer e que nós temos nossa soberania e dignidade, e que o Bolsonaro está tendo um julgamento justo, com base nos princípios do contraditório e da ampla defesa, que regem o Direito brasileiro. E mais: que o presidente da República não pode interferir no Supremo Tribunal Federal para fazer as vontades de um político alienígena aos interesses do Brasil.

A propósito disso também, ex-governador Reinaldo Azambuja criticou o presidente Lula pelo que considerou “bravatas” e o ministro Alexandre de Moraes, por estar, segundo ele, usurpando os poderes do Congresso e do Planalto. Concorda com o todo-poderoso chefão? Isso não pode antecipar o “Apocalipse”, começando pelo MS e pelo governo Riedel?

O Reinaldo Azambuja é um político que sempre respeitei, pelo seu olhar humanista e que desenvolveu uma administração exitosa em vários aspectos, catapultando o desenvolvimento de Mato Grosso do Sul. Eu o vejo também como um democrata, e que tem o direito de expressar suas opiniões, mesmo que às vezes eu não concorde com elas. Nesse caso específico, penso diferente, até porque, a meu ver, o presidente Lula tem o dever de se pronunciar, porque cabe a ele a condução da política econômica do país.

- Publicidade -
- Publicidade -
- Publicidade -

Últimas Notícias

Últimas Notícias

- Publicidade-