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sexta-feira, dezembro 5, 2025

Em julgamento de Bolsonaro e militares por tramar golpe, STF busca traçar limites para atos contra a democracia

Sessão é iniciada às 9h desta terça-feira; serão ao menos cinco dias em que os ministros da Corte darão seus vereditos sobre as condutas dos réus

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Ao apresentar seu relatório sobre a ação penal da trama golpista, nos primeiros minutos do julgamento que começa nesta terça-feira, às 9h, na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Alexandre de Moraes iniciará o que tem sido tratado como capítulo final de um dos episódios mais traumáticos da democracia do país. Serão ao menos cinco dias — entre esta terça e o dia 12 — em que os ministros da Corte darão seus vereditos sobre as condutas do ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete aliados nos últimos meses de seu governo até a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023. É a primeira vez na História em que um ex-mandatário da República é julgado por atentar contra a democracia para se manter no poder.

Desde a insurreição golpista, o STF tem acumulado punições aos que tentaram dar um golpe. Ao todo, 1.190 pessoas foram responsabilizadas pelas invasões ao Palácio do Planalto, Congresso e STF. No grupo estão os chamados executores, que estiveram na Praça dos Três Poderes naquele domingo de janeiro, e os incitadores, que de alguma forma colaboraram com os atos.

Agora, o STF vai se debruçar sobre o que a Procuradoria-Geral da República (PGR) considera os “líderes” do movimento golpista. Além do ex-presidente, a lista de réus inclui quatro ex-ministros de Estado (Anderson Torres, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto), um ex-comandante das Forças Armadas (Almir Garnier), um ex-chefe da inteligência do país (Alexandre Ramagem) e um ex-ajudante de ordens (Mauro Cid), que se tornou delator. Destes, seis são militares.

‘Marco histórico’

Para a antropóloga e historiadora Lilia Schwarcz trata-se de um momento histórico:

— Jair Bolsonaro e o bolsonarismo, de uma forma geral, têm sequestrado uma série de conceitos importantes, como anistia, livre expressão, democracia e ditadura. O bom andamento do julgamento mostrará que ditadura foi o que aconteceu durante a ditadura militar, quando nós sabemos que as pessoas não iam a julgamento, iam diretamente para prisão, eram torturadas, muitas sumiam, eram assassinadas. É um ritual do Judiciário muito importante neste momento e que com certeza fará história.

Na acusação que será julgada a partir desta terça-feira, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, acusa Bolsonaro de liderar uma organização criminosa, “baseada em projeto autoritário de poder”, com o objetivo de tentar um golpe de Estado e com forte influência de setores militares. Nas alegações finais, apresentadas no mês passado, Gonet afirma que o ex-mandatário “agiu de forma sistemática, ao longo de seu mandato e após sua derrota nas urnas, para incitar a insurreição e a desestabilização” da democracia. Gonet argumentou ainda que os atos golpistas do dia 8 de janeiro foram o último ato do movimento que pregou a ruptura democrática.

A denúncia contra o chamado “núcleo crucial” da trama golpista reúne mensagens, documentos e vídeos que, na visão da PGR, comprovam a articulação para desacreditar o sistema eleitoral, a partir de julho de 2021, e criar um ambiente para a tomada do poder em caso de derrota nas urnas no ano seguinte, o que acabou ocorrendo. Ao todo, são 1.764 peças no processo, que somam 80 terabytes de arquivos — o equivalente, por exemplo, a mais de 26 milhões de fotos armazenadas ou cerca de 20 mil longas-metragens em qualidade HD.

Bolsonaro responde por organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima; e deterioração de patrimônio tombado. As penas máximas somadas, em caso de condenação, podem chegar a 43 anos de prisão.

Durante seu interrogatório, Bolsonaro admitiu que discutiu “alternativas” para a derrota eleitoral de 2022, mas negou a investida golpista. Segundo afirmou na ocasião, o plano não foi adiante e as propostas foram descartadas.

Ineditismo

Principal autoridade no estudo da ditadura militar no país, o historiador Carlos Fico também avalia que o julgamento pode representar um marco na punição ao golpismo no país. Ele lembra que as tentativas de tomada do poder não são raridade na história brasileira, mas que a Justiça nunca agiu para contê-las.

— Nós já tivemos inúmeras tentativas malsucedidas de golpe de Estado, mas nunca houve a punição de militares golpistas, nunca houve a punição devida desses golpistas. Isso é o que há de mais importante e inédito, sobretudo porque estamos falando de um contexto de regularidade democrática. Houve o inquérito, a denúncia, a participação regular da Procuradoria-Geral da República, a manifestação regular das defesas — afirmou Fico, autor do livro “Utopia autoritária brasileira — como os militares ameaçam a democracia desde o nascimento da República até hoje” (Editora Planeta).

O ineditismo do julgamento também se dá pela presença de militares de alta patente no banco dos réus — três generais, um almirante, um tenente-coronel e um capitão. O enredo da trama golpista mostra, contudo, que foi a resistência de parte da cúpula das Forças Armadas que impediu a tentativa de Bolsonaro e aliados.

— O que há de mais importante é exatamente o fato de que esse julgamento está servindo como um alerta para as Forças Armadas, no sentido de perceber que alguma coisa mudou. Antes, nenhum militar jamais foi punido por tentar dar um golpe, e agora ao que tudo parece, serão punidos. Certamente esse julgamento está servindo como alerta — conclui Fico.

Mariana Muniz, Daniel Gullino e Lauriberto Pompeu/O Globo — Brasília

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