No Brasil, a queda de um mito costuma vir com estrondo, mas também com um certo atraso tropical, como os trovões que antecedem a chuva grossa. A condenação de Jair Bolsonaro e de seus generais golpistas coloca um ponto final, jurídico e simbólico, numa era de bravatas, cercadinhos e fake news. Acabou para o mito — e não é meme de rede social, é sentença do Supremo Tribunal Federal.
No Mato Grosso do Sul, terra de soja, boi, cana e das eternas promessas de duplicação da BR-163, a notícia chega com o peso de um trator tombando na lavoura. O bolsonarismo fincou raízes profundas nesse chão fértil para o discurso do “agro é pop” e da bala fácil. Aqui, Bolsonaro não foi apenas um político: virou quase um patrono de fazenda, reverenciado em churrascos de compadres, bandeiras em camionetes e rezas de domingo.
Riedel, Azambuja e o PL tardio
No comando do Estado, Eduardo Riedel corre sozinho até aqui rumo à reeleição, embalado pelo seu padrinho, o discreto e calculista Reinaldo Azambuja. O mesmo Azambuja que, só agora, resolveu assinar a ficha de filiação ao PL de Bolsonaro — gesto tardio, que mais parece um casamento arranjado no velório do noivo. A filiação, por si só, é um paradoxo digno de nota. O político discreto, que sempre se esquivou de bravatas, agora se abriga no partido transformado em orfanato do mito. É como se o mestre da política silenciosa resolvesse vestir a camiseta berrante dos cercadinhos, num gesto mais pragmático do que ideológico. A pergunta que fica: terá ele força para reorganizar uma tropa que perdeu seu general no campo de batalha?
Riedel, com seu estilo técnico e pragmático, surfa em águas calmas, longe das bravatas. Mas não pode ignorar que o barco do bolsonarismo, onde seu grupo remava com conforto, começa a fazer água. A condenação de Bolsonaro não apenas tira o mito do tabuleiro: deixa o PL sem bússola, sem capitão e sem narrativa, especialmente num estado em que a retórica do “capitão do povo” embalou carreiras meteóricas.
PT, Fábio Trad e o fator Simone
Projetando 2026, o jogo ganha contornos interessantes. Se o PT insistir no nome de Fábio Trad, pode fincar bandeira em Campo Grande, mas terá dificuldade de romper o cinturão conservador do interior. Já uma eventual chapa do MDB com Simone Tebet, apadrinhada por Lula, teria alcance estadual e capacidade real de tirar Riedel da zona de conforto. Nessa configuração, o risco de segundo turno deixa de ser miragem: torna-se possibilidade concreta, especialmente se o eleitorado sentir que o bolsonarismo condenado não tem mais força para pautar a disputa.
Ou, quem sabe, Lula faça um movimento mais engenhoso: apoiar uma chapa do MDB, com Simone Tebet à frente. A ministra do Planejamento é, hoje, a sul-mato-grossense mais bem plantada em Brasília. Teria discurso de centro, selo lulista e simpatia no agro — um tripé raro para enfrentar a máquina governista local.
O caso douradense e o “Gordinho do Bolsonaro”
Mas é em Dourados, sempre Dourados, que a queda de Bolsonaro se sente de forma mais crua. O deputado federal Rodolfo Nogueira, conhecido como o “Gordinho do Bolsonaro”, terá de suar a camiseta da retórica para se manter no Congresso. Sem o mito na retaguarda, sua candidatura à reeleição vira um teste de sobrevivência: será que os votos eram dele ou apenas reflexo da sombra do capitão?
Em 2026, a disputa no Mato Grosso do Sul não será apenas entre partidos e candidatos. Será um duelo entre a memória recente de um bolsonarismo ainda forte nas fazendas e a necessidade de se reinventar num cenário em que o mito não passa de réu condenado.
O Brasil e o MS pós-Bolsonaro
A prisão de Bolsonaro e de seus generais tem efeito pedagógico para o Brasil: mostra que a democracia, apesar de suas gambiarras, ainda sabe puxar as rédeas. Para o Mato Grosso do Sul, significa que a política não pode mais viver só da retórica do “nós contra eles” e do discurso do homem simples contra o sistema. O agro é forte, sim, mas o agro também precisa de estabilidade institucional, segurança jurídica e mercado externo aberto — três coisas que o golpismo de Bolsonaro só atrapalhou.
A terra do agro terá de escolher se segue no automático com Riedel, sob a sombra de Azambuja, ou se ousa apostar em outras vozes, como Fábio Trad ou Simone Tebet. Mas uma coisa já está clara: acabou para o mito. E, sem mito, os satélites políticos do capitão terão de aprender a caminhar com as próprias pernas — seja no Parque dos Poderes em Campo Grande, seja nas urnas outrora empoeiradas da terra de seu Marcelino.
