Foi-se o tempo em que o Correio do Estado, mais tradicional dos impressos sul-mato-grossenses, abria espaço para artigos de diletantes. Se um texto assinado por Walter Carneiro Júnior, subchefe da Casa Civil, pinta na página de opinião, é porque o bilhete tem remetente, destinatário e, sobretudo, intenção. Não é catarse, é recado cifrado. Cabe à nossa sempre atenta saracura, farejadora oficial dos mistérios do Jaguapirú e do Prosa, decifrar a charada.
O pano de fundo: a semana em que Jair Bolsonaro, enfim, tropeça no STF e arrasta consigo pedaços do agro e da extrema-direita que ainda orbitavam em torno do “mito”. Justo nesse momento, Waltinho saca da pena para filosofar sobre “malucos favoritos” — de direita, de esquerda, do Judiciário e até internacionais. Parece neutro, mas quem conhece o compasso da política estadual sabe: em terra de azambujismo, ninguém dá ponto sem nó.
A superfície do artigo soa bonita, quase pedagógica. Evoca os tempos em que Lula, Covas e FHC eram adversários duros, mas trocavam civilidades e respeitavam as regras do jogo. Fala da redemocratização, da Constituição de 88, dos consensos possíveis. E depois cai no lamento: hoje, o país virou ringue de gritaria, CPIs são palcos de propaganda e a democracia, coitada, rebaixada a notinha de rodapé. Quem discordaria? É o tipo de texto que cabe em qualquer manual de educação cívica.
Mas a saracura não se satisfaz com a superfície. Mergulha no brejo, fareja o lodo, cutuca o sapo que coaxava escondido. E ali encontra o verdadeiro recado: ao falar de “maluco de direita”, Waltinho acerta no fígado de Bolsonaro, justamente na semana em que o ex-presidente se arrasta pelos corredores da Justiça. Não é qualquer crítica — é a senha para avisar que Riedel e Azambuja não estão dispostos a pagar a conta da insanidade alheia.
Eis o dilema: Waltinho fala por quem? Por ele, impossível. Por Riedel, provável, afinal o governador precisa se firmar como gestor equilibrado, distante do radicalismo que ainda seduz parte do agro. Por Azambuja, possível e até lógico, porque o ex-governador — chefe político que tudo coordena das sombras — sabe que não pode permitir que o azambujismo seja confundido com bolsonarismo histérico.
O artigo é, portanto, um balão de ensaio. Um teste. Uma forma elegante de medir a reação da praça à ideia de que o futuro de Mato Grosso do Sul será menos “maluco favorito” e mais “gestão responsável”. Sherlock Holmes, se passasse pelo Parque dos Poderes, anotaria em seu diário: “Elementar, meu caro Watson: os Carneiros não berram sozinhos. Eles ecoam a voz do rebanho que ainda pasta sob as ordens de Azambuja.”
No fim das contas, o que Waltinho oferece ao leitor é uma confissão disfarçada: o azambujismo prepara-se para virar a página do bolsonarismo, mas precisa de intermediários para dar a notícia. Daí a metáfora dos malucos — uns de toga, outros de farda, outros de camiseta verde e amarela. Mas todos úteis para um objetivo só: marcar distância, reposicionar o grupo e deixar claro que, no tabuleiro de 2026, quem dita o compasso não é o grito, mas o cálculo frio.
E assim, entre malucos e cordeiros, entre a democracia relegada e o brejo sempre atento, a saracura registra: Waltinho não falou apenas por si. Falou por Riedel. Falou por Azambuja. Falou pelo projeto que, com todos os disfarces, tenta se manter senhor das chaves do poder em Mato Grosso do Sul.
